Construindo um serviço, não um produto

A visão de produto como plataforma que potencializa a troca e a facilitação de criação de valor entre usuários, empresas e mercado.

Você não é dono das informações que posta no Twitter. Nem das suas músicas no Spotify. Nem dos seus livros no Kindle[1]. Você não é dono de praticamente nada da sua vida digital. Você tem uma licença de uso.

Essa é uma característica de uma época onde o valor não está mais no que se possui. A tecnologia mudou a forma com que lidamos com nossas memórias, nossos filmes e livros prediletos, a forma com que ouvimos música e pedimos comida. Esse é o dilema que vivemos caso a Amazon morresse, para onde vão nossas coisas?[2]

O que é valor no marketing tradicional?

A fundação do Marketing tradicional era de se focar na distribuição e na troca de mercadorias e produtos manufaturados, sendo esta a base do que entendemos por economia: você tem algo para vender, eu preciso desse algo e tenho dinheiro para dar em troca, nós entramos em acordo e saímos felizes ao final do processo. Philip Kotler em seu livro Marketing 3.0 (KOTLER, P. Marketing 3.0) diz que o Marketing 1.0 era muito centrado no Produto, sendo que o principal objetivo do produto industrial era ser distribuído para o maior número de pessoas possível. Por causa disso, os produtos eram básicos. Henry Ford tem uma frase épica que resumia bastante esse pensamento: "O carro pode ser de qualquer cor, contanto que seja preto".

Contudo, na revolução industrial, a qualidade dos produtos aumentou, embora eles continuassem bem básicos, e a distribuição em massa começou a se tornar realidade. Logo, a vontade, o desejo ou a necessidade de ter alguma coisa é o que movia esse processo. O valor então, não estava na "coisa" que foi adquirida, mas em possuir essa coisa. Esse sempre foi o trabalho do marketing tradicional: embutir valor no produto em si, seduzindo as pessoas a comprarem esses produtos simplesmente pela necessidade de possuí-lo.

Isso acontecia já por volta de 1920, e é bastante conhecida como economia clássica ou neo-clássica. Foi aqui que basicamente a sociedade do consumo nasceu ou pelo menos recebeu mais visibilidade e atenção. Nessa época - e eu diria que até hoje - a medição do status e também da riqueza das pessoas era medida pela aquisição de coisas tangíveis, que são físicas e palpáveis. Não é à toa que ainda medimos e definimos classes sociais - pelo menos aqui no Brasil - pela quantidade de bens que possuem, como TV a cores, rádio, geladeiras, automóveis e assim por diante[3].

Nesse meio tempo, ficou cada vez mais comum embutir valor nos produtos por meio do seu processo de manufatura e distribuição. Aqui, muito foco era dado na forma que o produto era produzido, em quais materiais eram usados, formatos de pontos de venda e tudo mais. Quem nunca achou maravilhoso os bancos de cada Ferrari serem costurados a mão?

A partir de 1950 o marketing se modificou e passou a focar suas decisões nas necessidades e desejos dos usuários. Os pontos de esforços das empresas como vendas, propaganda, gestão e liderança de produtos, precificação e distribuição eram focados em sanar as necessidades e desejos dos clientes. Por isso, pesquisas, análises e entrevistas de campo ficaram mais comuns, focando em entender o comportamento das pessoas em relação ao produto vendido, com o objetivo de vender certo e melhor.

Mas entre 1980–2000 as empresas e os marqueteiros sacaram que o marketing ia além do processo econômico, causando impacto social por meio da mudança do comportamento das pessoas. Em um ambiente que enaltece o consumismo, o marketing molda a opinião e controla o desejo das pessoas, modificando uma sociedade que mede o status pelo preço que se paga nos produtos e que muitas vezes o valor do produto não está em possuí-lo e nem na sua atividade fim, mas em características totalmente intangíveis. Por exemplo, achamos que podemos medir a riqueza e o status de alguém pelo relógio ou pelo carro que essa pessoa possui.

O processo de onde se localiza o valor do produto, seja ele digital ou físico podem ser distribuídos nas seguintes fases:

  • Valor em possuir algo;
  • Valor na manufatura;
  • Valor na distribuição;
  • Valor intangível de marca e outros fatores;
  • Valor nas necessidades e desejos dos usuários;

Um exemplo de empresa que faz uso de todos esses gatilhos é a Apple. Ao lançar um produto, a Apple sempre expõe o processo de fabricação desse produto (fase de manufatura), mostrando todos os materiais raros e complexos que eles usam para produzir desde o parafuso até o corpo do dispositivo. Depois de pronto, esse produto é colocado em uma embalagem maravilhosa e vendido em uma loja que realça ainda mais o design e os materiais do produto (distribuição). Com tudo isso junto, a Apple fez com que as pessoas desejassem seus produtos, criando fãs da marca (valor intangível), porque por meio do design e da tecnologia, eles focam nas necessidades das pessoas (valor nas necessidades e desejos dos clientes).

Mas embora todo o processo esteja embutindo valor no produto final, às vezes até banalizando e diluindo a potência desse processo, será que o valor percebido ainda continua no produto final e nas coisas que possuímos?

O valor está no uso?

Se o valor era colocado nos produtos por meio dos processos de produção, distribuição e manufatura, como o marketing contribuía para agregar mais valor ao produto?
É aqui que a discussão começa a ficar muito mais importante, pois o debate vai para um campo que envolve muito mais a utilidade que o produto fornece para as pessoas do que possuir o objeto em si.

“O que é necessário não é uma interpretação da utilidade criada pelo marketing, mas uma interpretação mercadológica de todo o processo de criação de utilidade.” — Wroe Alderson - Service-Dominant Logic & Business Models. [s.l.: s.n.], 2013. Disponível em: https://www.sdlogic.net/uploads/3/4/0/3/34033484/helsinki_business_model_prsentation_2013.short.pdf. Acesso em: 24 set. 2022.


Wroe Anderson foi um dos teóricos do Marketing que pregava que o valor dos produtos estava no seu uso[4]. Então, o valor não está apenas presente ao adquirir ou possuir o produto, mas principalmente no momento do seu uso, que é onde o usuário realmente percebe que a sua necessidade era atendida (taí o termo “valor percebido”).

Com o advento do digital, essa questão fica mais importante e sensível. Quando adquirimos a assinatura do Spotify, nós não estamos comprando as músicas ou os CDs dos artistas, mas nós estamos comprando a possibilidade de acessar esse material. O iTunes iniciou sua dinastia ainda com o pensamento de possuir música. Você comprava as suas músicas prediletas por centavos e elas eram suas. Mais uma vez levando a analogia do mundo físico para o digital.

Essa nova forma de pensar no valor tem uma série de pontos escuros, principalmente quando se trata de comportamentos humanos: todo mundo possui algo físico que remete a uma memória afetiva ou por um sentimento de conquista. Isso some totalmente ou em partes quando essa coisa deixa de ser física e está no mundo digital. Suas músicas e livros se perderão com o seu login quando você morrer, se a empresa falir ou descontinuar o serviço.

Contudo, este século tem evidenciado uma mudança grande na vida das pessoas, principalmente da geração dos millennials para a frente, onde possuir coisas começa a ser algo irrelevante, sendo uma tendência sempre ter menos coisas — como carros e casas, por exemplo — fundamentando uma mudança de comportamento, tanto na vida pessoal quanto no trabalho. Os princípios e os valores de vida se transformaram. Se antes comprávamos um carro para sair do ponto A para o ponto B, hoje podemos pedir um Uber. Isso significa que o valor está muito mais no serviço prestado (ir do ponto A para o B) do que no produto em si. O produto, neste momento, passa a ser um meio de execução do serviço. Quando compramos uma furadeira, na realidade estamos comprando um (ou vários) furo na parede ou pelo menos a possibilidade de ter furos na parede a hora que quisermos. Nós pagamos pela possibilidade não pela aquisição.

Aqui, poderíamos entrar em outro assunto bastante complexo sobre as diferenças entre inovação e disrupção. Em um papo com meu amigo Conrado Cotomácio, discutíamos sobre a sutileza dessa diferença. Do nosso ponto de vista, o carro autônomo é uma inovação. Você ainda continua precisando entrar em um objeto de metal com rodas para que essa coisa te leve para os lugares. Mas um sistema de teletransporte é uma disrupção. Ele é um sistema disruptivo pois quebra muitos paradigmas e cria outros. Para citar dois:

  1. O carro deixa de existir neste caso. Não apenas o carro, mas o patinete, a bicicleta, o avião, o navio, o trem e qualquer outra coisa que transporte pessoas ou coisas de um lugar pro outro;
  2. O tempo de transporte diminui para o mínimo (ou próximo de), isso muda toda o comportamento habitual das pessoas e dos negócios;

Nesse caso, damos mais ênfase para a necessidade de se locomover em vez de ter uma caixa com rodas que transporta pessoas e coisas para os lugares. O teletransporte é uma disrupção porque a forma de se locomover nunca mais será a mesma. Você nunca mais vai querer entrar nunca caixa de metal, usar patinete, bicicleta, patins ou andar a pé… A não ser que você queira fazer essas coisas para se divertir.

Um questionamento interessante: começar uma nova civilização em Marte é inovação ou disrupção?

O valor do seu produto digital está no serviço

Esse pensamento é o que tem dominado grande parte dos produtos digitais. O produto de verdade do Spotify não é sua interface no mobile ou no desktop, mas a possibilidade que ele dá de ouvir as músicas a qualquer momento. E você pode não precisar de um aplicativo no celular para ouvir seu Spotify, dado que os canais, ambientes e momentos para ouvir músicas podem variar.

Logo, é a experiência de usuário que vai definir se você usa Deezer, Spotify, Apple Music, Tildal ou qualquer outro. Aqui o UI e o UX são muito mais relevantes e também o serviço expandido que eles prestam, por exemplo: recomendações, possibilidade de ouvir músicas em qualquer lugar e obviamente o acervo disponível de músicas (que virtualmente será o mesmo).

Geralmente somos apaixonados pela solução e não pelo problema.
Neste sentido, o principal erro dos Product Managers é pensar que seu produto é a solução, quando na verdade o seu produto faz parte da solução. Essa é a grande armadilha que muitas pessoas caem.

Nós nos focamos em construir uma solução que resolva um problema específico, mas não temos uma visão macro das coisas. Todo mundo se sentiu gênio quando entendeu que a 99 ou o Uber não queriam substituir os táxis, mas sim modificar a mobilidade urbana. Transformar a mobilidade é um problema muito maior - que o Peter Thiel se refere como o segredo em seu livro De Zero a Um - e importante de se resolver, que tem uma série de caminhos alternativos obscuros. Muito por isso patinetes, bicicletas, carros compartilhados e outras alternativas estão nascendo (e morrendo).

"Os clientes não compram bens ou serviços: [Eles] compram ofertas que prestam serviços que criam valor…. A divisão tradicional entre bens e serviços está ultrapassada há muito tempo. Não se trata de redefinir os serviços e vê-los na perspectiva do cliente; atividades prestam serviços, coisas prestam serviços. A mudança de foco para serviços é uma mudança dos meios e da perspectiva do produtor para a utilização e a perspectiva do cliente." — Gummesson, (1995, p. 250–51)

Entender as necessidades dos usuários nunca foi tão importante quanto agora. Deixa de ser só um lema bonito e passa a ser obrigatório. Muito por isso, ter um pensamento User-Centered é crucial para a construção de um produto digital. O User-Centered (Ou UCD - User-Centered Design) é uma série de processos e métodos no qual designers e desenvolvedores - além de stakeholders e qualquer outra área que se envolva na construção de um produto digital - que focam diretamente nos usuários e suas necessidades em cada fase do processo, envolvendo o usuário desde o início do conceito e pesquisa até a evolução do produto ou funcionalidade. O objetivo é criar funcionalidades ou produtos que sejam altamente acessíveis, usáveis e principalmente que impactam positivamente os usuários, resolvendo de fato seus problemas essenciais e necessidades.

Neste mundo onde o serviço impera, o valor é e deve ser cocriado com o usuário, envolvendo-o em todo o processo, não apenas no início e nem no fim, mas durante toda a fase de monitoramento e aprendizado. O usuário passa a fazer parte da cocriação completa das soluções que resolverão suas próprias necessidades. Isso acontece quando fazemos Continuous Discovery, quando trabalhamos junto com o atendimento ao cliente, quando entendemos quais pessoas o time de marketing irá atingir em suas campanhas.

Mas construir um serviço, em vez de produto, significa que seu olhar deve ir muito além do pedaço de software que está sendo construindo. É mais do que tentar materializar o negócio em um aplicativo ou sistema web. É mais do que fazer Continuous Discovery para descobrir oportunidades e (in)validar hipóteses. É necessário ter uma visão mais ampla, um pouco mais externa e estrutural.

O Produto como Serviço: Service-Dominant Logic

Nessas metamorfoses que o marketing passou, a definição de valor percebido pelo cliente mudou e o interessante é que o produto em si não é mais o único motivo de relação entre consumidor e empresa. A forma com que os clientes consomem os produtos atuais mudou e o valor agora se encontra na parte intangível do processo.

Logo, o pensamento anterior, onde a relação entre cliente e empresa tinha como ponto principal a geração de valor na troca entre produto que a empresa dava e o financeiro que o cliente devolvia, evoluiu para algo muito mais amplo e com um impacto mais profundo na vida das pessoas e em como elas lidam com seus pertences.

Neste momento, uma forma de pensar chamada Service-Dominant Logic prega que o serviço é a nova forma que empresas levam valor para os clientes e seu dia a dia. Neste momento, toda a forma de comportamento de usuário e tratativas de construção de negócio mudam de forma um pouco drástica, ampliando ainda mais o valor percebido do que se entrega.

Os 11 Fundamentos e os 5 Axiomas do S-D Logic

O S-D Logic gira em torno de 11 Fundamentos, sendo que desses 11, 5 são axiomas, ou seja, princípios imutáveis que formam a essência do pensamento:

  • Fundamento 1 / Axioma 1: O serviço (junção de especializações e conhecimento de rede) é a base fundamental da troca.
  • Fundamento 2: A troca indireta mascara a base fundamental da troca. Pelo fato dos serviços serem fornecidos por meio de combinações complexas de bens, capital e instituições, a base de serviços das trocas nem sempre é aparente.
  • Fundamento 3: Os bens (ou produtos, ou mercadorias) são um mecanismo de distribuição do serviço.
  • Fundamento 4: O conhecimento e as especializações são as fontes fundamentais de vantagem competitiva.
  • Fundamento 5: Todas as economias são economias de serviço.
  • Fundamento 6 / Axioma 2: O valor é cocriado por múltiplos players, sempre incluindo o cliente/usuário.
  • Fundamento 7: Players não entregam valor, mas participam da criação e da oferta da proposta de valor.
  • Fundamento 8: Uma visão centrada em serviço é inerentemente orientada para o cliente.
  • Fundamento 9 / Axioma 3: Todos os players sociais e econômicos são integradores de recursos.
  • Fundamento 10 / Axioma 4: Valor é sempre forma única e fenomenologicamente determinada pelo cliente/usuário.
  • Fundamento 11 / Axioma 5: Cocriação é coordenada por meio de acordos entre as instituições que formam a rede.

O pensamento anterior, que coloca os bens no centro do processo, tinha os seguintes pontos:

  1. A proposta das atividades econômicas é fazer e distribuir coisas que possam ser vendidas.
  2. Para serem vendidas, essas coisas devem estar incorporadas com utilidade e valor durante a produção e processos de distribuição e devem oferecer ao consumir um valor superior em relação aos concorrentes.
  3. A empresa deve definir todas as variáveis de decisão a um nível que permite maximizar a receita da venda desses bens.
  4. Para tirar o máximo do controle da produção e eficiência, o bem deve ser padronizado.
  5. O bem pode ser estocado até que haja demanda e deve ser entregue ao consumidor com lucro.

Esse era um pensamento alinhado com a maneira mais rudimentar do método de oferecer produtos aos clientes. Todos esses pontos faziam parte de uma discussão maior sobre onde se encontrava a “utilidade” do que era oferecido ao consumidor.

Já a visão centrada em serviços que o S-D Logic observa seriam:

  1. A empresa deve identificar ou desenvolver competências, conhecimento, fundamentos e skills de forma que esses pontos se apresentem como uma vantagem potencial competitiva.
  2. Identificar outras entidades (consumidores potenciais) que podem se beneficiar dessas competências.
  3. Cultivar relações que envolvem os consumidores no desenvolvimento customizado (cocriação), compelindo de forma competitiva às necessidades especificas de cada cliente.
  4. Procurar feedback do mercado por análise de performance financeira da troca a fim de aprender como melhorar o que a empresa está oferecendo aos clientes e melhorar a performance da empresa.

Isso tudo para dizer que o pensamento centrado no serviço não é simplesmente orientado ao consumidor, mas é feito com a colaboração do cliente, tanto por feedbacks ativos dos usuários, quanto pela colaboração e aprendizado por parte da empresa, para adaptar às necessidades de cada cliente.

Adiante, segue uma tabela que mostra o conceito dos níveis de transição entre um pensamento centrado no produto/bem para uma visão de experiência de serviço:

Visão Dominante baseada em Produtos/BensConceito de Transição entre os dois pensamentosVisão centrada em serviço S-D Logic
Bens ou mercadoriasServiçosServiços
ProdutosOfertasExperiências
Característica ou AtributoBenefíciosSolução
Valor imbuído no produto/bemCoproduçãoCocriação de valor
Valor está na trocaValor no usoValor está no contexto
Maximização de lucrosEngenharia financeiraFeedback e Aprendizado financeiro
PreçoEntrega de valorProposta de Valor
Sistemas equilibradosSistemas dinâmicosSistemas complexos adaptativos
O pensamento centrado no serviço implica que o valor seja definido por uma cocriação com o consumidor em detrimento ao valor incorporado no produto

Esse marketing centrado no serviço tem como base principal o relacionamento entre os "atores" que participam dessa rede que se forma no processo de construção de serviço, por exemplo, o consumidor, a empresa que presta o serviço e outras empresas que ajudam esse serviço a se manter.

Nesse caso a empresa não está sozinha, mas ela representa um relacionamento intrincado entre outros atores que juntos trazem valor para o cliente, cada qual com sua especialidade e conhecimento sobre uma parte do negócio. Nesse caso, a ênfase está mais ligada aos aspectos intangíveis da entrega de valor por meio do serviço, não produto final.

Exemplo de ecossistema de serviços que são oferecidos ou estão diretamente associados à experiência de viajar

O Service-Dominant Logic (S-D Logic) propõe que a forma de trabalhar deve ser mais abrangente, criando um ecossistema, integrando produtos com serviços, fornecendo uma estrutura mais interessante para o desenvolvimento tanto das empresas e dos clientes, mas também do marketing em si.

Nessa lógica de pensar, o valor é cocriado por todos e entregue ao usuário e para o próprio ecossistema de rede de serviços.

Essa integração cria um ecossistema de serviços que o Lusch e Vargo (idealizadores do S-D Logic) definem como "sistema autoajustado e autocontido conectado por atores de recursos integrados, compartilhados por acordos institucionais de criação mútua de valor por troca de serviços.” (Lusch, R.F. and Vargo, S.L. (2014), Service-Dominant Logic: Premises, Perspectives, Possibilities, Cambridge University Press, Cambridge. )

Ciclo de cocriação por Lusch e Vargo

Em uma publicação do Harri Jalonen[5], ele mostra como as redes sociais podem ser uma rede de cocriação de valor integrando patrocinadores, entidades de esporte e fãs:

JALONEN, 2017.

Mas como isso funciona em produtos digitais?

Produto como um meio e não o fim

Depois de toda essa conversa, podemos dizer (o que já era óbvio) que o produto “final” do Spotify não são seus aplicativos, nem tão pouco as músicas que você ouve. O desejo/problema que precisa ser resolvido que é “queremos ouvir música com mais conforto, sem burocracia, de forma legal e em qualquer lugar” é resolvido pelo Spotify, que dá o meio de acesso às músicas, possibilitando ouvi-las em qualquer lugar.

Proposta de valor entre Spotify e Usuários

Ainda temos aqui aquela máxima do pensamento antigo onde alguém oferece algo e os clientes dão algo (geralmente dinheiro) em troca. Mas perceba que neste caso o cliente não tem de volta um “bem”, como um CD ou até um arquivo digital (MP3), mas sim o acesso ao serviço. O produto é usado como um meio de levar a experiência para o usuário e não como produto final. Você não paga a mensalidade para ter acesso ao Aplicativo do Spotify, mas acesso às músicas.

Proposta de valor entre Amazon Kindle e usuários

O pensamento de ter uma visão baseada em serviços em vez de produtos veio do marketing, mas no mercado de produtos digitais, toda essa ideia tem o nome de Service Design, onde desenhamos o fluxo de jornada de serviço como um todo, onde o produto digital é apenas parte de uma jornada maior.

Concluindo

Esse discurso de foco no serviço nos abre um horizonte que mostra que solucionar as necessidades dos usuários não depende apenas de um pedaço de software, mas de uma integração maior de soluções entre a empresa que faz a interface direta com os usuários (geralmente empresa do produto) juntamente com outros atores (empresas, instituições, organizações e pessoas).

Esse pensamento transforma a empresa que fornece o meio (produto) em uma plataforma onde outros negócios, empresas e pessoas irão se apoiar para criar suas próprias soluções e oportunidades de negócio. Ter uma visão de plataforma é o caminho natural a partir de uma visão de serviço, além de ser bastante comum desde os primórdios, principalmente entre as empresas de tecnologia e startups do vale do silício. Vamos falar sobre isso a seguir.


  1. JOHNSON, Joel. You don't own your Kindle books, Amazon reminds customer. NBC News , 2012. Disponível em: https://www.nbcnews.com/technolog/you-dont-own-your-kindle-books-amazon-reminds-customer-1c6626211 . Acesso em 23 set. 2022. ↩︎
  2. LaFRANCE, Adrienne. When Amazon Dies. The Atlantic , 2015. Disponível em: https://www.theatlantic.com/technology/archive/2015/10/when-amazon-dies/409387 . Acesso em 23 set. 2022. ↩︎
  3. SALLA, Fernanda. Quem define as classes sociais no Brasil? Super Interessante (web), 2018. Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/quem-define-as-classes-sociais-no-brasil-2 . Acesso em 23 set. 2022. ↩︎
  4. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Wroe_Alderson . Acesso em 17 de Maio de 2023 ↩︎
  5. JALONEN, Harri. Social media as a 'service' for value co-creation by integrating sponsoring companies, sports entities and fans. World Journal of Nuclear Science and Technology , v. 11, n. 1, pp. 2381-2388, 2017. Disponível em: https://publications.waset.org/10005988/pdf . Acesso em 23 set. 2022. ↩︎
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