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Filosofia e estoicismo

Estoicismo: Adaptação Hedônica - Entendendo os ciclos de felicidade

A adaptação hedônica nos lembra que nossa felicidade ou satisfação tendem a voltar a um nível base, não importa se experimentamos coisas boas ou ruins.

Diego Eis

Você se lembra do seu primeiro salário? Eu me lembro do meu: R$168. Eu era um dos estagiários da empresa em uma pequena agência em São Paulo. Foi meu primeiro emprego.

Em 3 meses meu salário dobrou. O outro estagiário simplesmente largou o trabalho e eu fiz uma carinha de dó para o dono da agência, que resolveu dar a parte do outro estagiário para mim. Cara, eu dobrei meu salário, pensava. Era dinheiro que não acabava mais e eu achava que era os suficiente. Em pouco tempo comecei a imaginar o que pessoas que ganham mais do que eu tinham e como viviam. Se eu já tinha o suficiente, essas pessoas então... Como será que seria ganhar mais?

Obviamente, nos empregos subsequentes, meu salário aumentou em muitas vezes. E não demorou muito para que aquela sensação de ganhar mais não durava tanto quanto eu tinha imaginado e como deve acontecer com todo mundo, o pensamento de como será que é ganhar mais ainda? Eu poderia fazer milhares de outras coisas... nossa, iria ser o máximo... Bom, vocês já devem conhecer o ciclo que eu estou citando.

Por algum motivo estranho, sempre depois de ter conseguido alcançar um novo patamar financeiro e também profissional, meu estado de satisfação ou felicidade, voltava ao estado anterior.

Adaptação Hedônica

Esse ciclo maluco entre satisfeito e insatisfeito, feliz e infeliz, é explicado em uma teoria chamada Adaptação Hedônica (em inglês o termo seria Hedonic Treadmill). O que essa teoria diz é que existe um nível base de felicidade, e que não importa se algo te faz sentir bem ou mal, você sempre voltará ao estado original de felicidade (ou satisfação).

Cada pessoa tem um nível de felicidade (prefiro falar satisfação em vez de felicidade) individual. Esse nível é formado por N fatores, tanto geneticamente, quanto o ambiente familiar em que você viveu ou vive, ambiente de trabalho e etc... isso contribui para entendermos que:

  1. O nível base de felicidade/satisfação não é neutro, ou seja, algumas pessoas tem essa barra um pouco mais alta que outras pessoas;
  2. Nós temos múltiplas barras. A felicidade é composta por diferentes fatores (vida pessoal, vida amorosa, trabalho, etc) que contribuem para o seu bem estar e cada um desses fatores tem uma nível base diferente de satisfação/felicidade;
  3. Felicidade é diferente para todos os tipos de pessoas e nações. Isso tem a ver com prioridades na vida. Isso afeta a intensidade da felicidade e satisfação de cada pessoa quando essas experimentam os mesmos acontecimentos. Por exemplo: temos o mesmo cargo, mas eu me sinto mais feliz que você quando recebemos o mesmo tipo de promoção;

Brickman e Campbell, que são os autores que trouxeram à tona esse assunto em 1971. No estudo eles argumentam que os ganhadores de loteria não são mais felizes que pessoas paraplégicas. Veja bem: a felicidade é tão etérea, que o nível de felicidades dos dois grupos são diferentes sim, mas isso não importa, pois o que importa de verdade é a percepção deles de felicidade.

Imagem: https://mindfulambition.net/how-not-to-be-happy/

O prazer se torna subjetivo, e é em sua própria natureza, transitório. Quando o prazer é tratado como um objetivo a ser alcançado, ele se torna uma ilusão cada vez mais distante, porque você nunca vai conseguir ter prazer, felicidade, satisfação constantemente, que faça seu nível de felicidade ficar em um patamar alto durante muito tempo ou de forma permanente.

Brickman e Campbell dizem que os efeitos da Adaptação Hedônica trazem implicações sérias para os indivíduos e consequentemente para a sociedade. Eles dizem que o prazer é passageiro em sua natureza. Para conseguir abandonar esse ciclo, as pessoas deveriam abandonar todos os julgamentos de avaliação. A conclusão do estudo deles (lá vai o spoiler) é que um adulto feliz, é aquele que teve uma infância moderadamente infeliz.

O que eu faço, viro budista?

O budismo fala muito sobre viver num estado de desprendimento porque as coisas são passageiras. Se você entender que nós sofremos porque nos afeiçoamos a pessoas e posses que um dia irão desaparecer, você está salvo. Uma palavra interessante que é um dos temas centrais do Darma (Dharma), é impermanência: nada dura para sempre, nem nós mesmos.

Mas não é só o Budismo que tenta nos alertar sobre esse caminho do sofrimento. A Bíblia é cercada de versos que alertam sobre esse assunto. Salomão diz muito as frases correr atrás do vento ou tudo é vaidade para relacionar essa guerra interna da qual estamos falando. Uma passagem interessante é: A tristeza é melhor do que o riso; pois a tristeza faz o rosto ficar abatido, mas torna o coração compreensivo.

No livro 10% Mais Feliz, Dan Harris diz o seguinte: Uma vez que você ensine ao cérebro que residir calmamente no momento presente é melhor do que se agarrar ao passado ou ao futuro, com o tempo o cérebro vai querer mais e mais contemplação.

Não importa que tipo de religião, estilo de vida ou qualquer outra crença você tenha ou queira ter, o importante é entender você precisa definir uma linha limite para sua satisfação se acostumar com ela. Você faz isso não apenas absorvendo e vivenciando coisas boas, mas também coisas ruins. Dessa forma você consegue ter um nível de comparação entre o antes e o agora. Se você sempre tiver em mente estados anteriores e plena consciência do seu estado presente, então você compreenderá a sua evolução continua.

Referências: