Entendendo um pouco sobre como formar times numa estrutura organizacional matricial.
Trabalhar em times de produto é viver em uma constante mudança de escopo e mudanças de cenários e contextos de negócio. Principalmente quando trabalhamos em empresas alavancadas por investimentos ou que fazem muitas aquisições ou fusões, onde times inteiros são refeitos e reorganizados com frequência.
O problema
Na minha visão, o maior problema das startups ou empresas de tecnologia que estão crescendo, é exatamente a percepção errada de que precisamos crescer rápido, a todo custo. Nunca vi nenhuma startup focando nos seus primeiros dias em pensar em uma estrutura e desenho organizacional que suportasse o crescimento e a escala do negócio. Isso acontece também na parte técnica. Geralmente a coisa toda é uma avalanche que chega de uma vez para os times e aí entra tudo isso que conversamos: mudança de escopo, velocidade de entrega, geração de débitos técnicos, reorganizações de times e seus escopos, mudança de prioridade de negócio e tantos outros tópicos importantes.
Quando não pensamos, minimamente, em um desenho organizacional escalável, nós relegamos o time a:
Delimitação de escopo: Não ter uma visão ou delimitação clara dos seus escopos, o que leva à uma cegueira de objetivos;
Demandas internas: Não planejamos sobre como vamos atender times ou suportar o crescimento de times internos;
Falta flexibilidade para mudar: Times não conseguem se adaptar às mudanças de planos ou prioridades, criando desmotivação, falta de qualidade do produto, falta de governança técnica entre outros;
Cultura de silos: Promove uma cultura fechada de trabalho. Quanto menos nos relacionarmos com o mundo exterior, melhor, porque conseguimos controlar nosso escopo e nossas responsabilidades, sem interferência externas;
Logo, quando uma empresa sai de 50 funcionários e vai para 300. Ou um time de produto que trabalhava com 2 ou 3 times, vai para 5 tribos, com 4 times em cada tribo, os canos começam a estourar. Mas aí não existe mais margem de manobra para "pararmos para arrumar a casa". O tradeoff é muito dolorido. Não dá para sacrificar o crescimento do negócio, perdendo essa janela de evolução, por que não conseguimos definir com qual time vai ficar os serviços de autenticação, ou quem vai cuidar da API de checkout.
Dessa forma, eu entendo que é importante que a liderança da empresa tenha um plano de escala de estrutura organizacional, conectada com o plano de crescimento do negócio. Que para mim, deveria ser óbvio. Todo investidor pergunta onde e como o dinheiro do investimento vai ser utilizado, oras, dessa forma, um plano de crescimento de time e seus escopos, conectados com os objetivos de growth do negócio deveria já estar desenho, incluindo como a empresa se organizaria para entregar essa estratégia.
A visão matricial
Para mim, a visão matricial de organização de times e empresas funciona muito bem. Ela é totalmente escalável, flexível o bastante para comportar mudanças de planos e escopos dos times e suportar o crescimento (ou não) do negócio.
Mas estrutura matricial de empresas não algo facilmente absorvido pela maioria das pessoas. Alguns odeiam, outros amam. Há sim alguns pontos importantes que devemos prestar atenção quando falamos sobre estrutura matricial, como:
A hierarquia de responsabilidade e decisão fica muito dividida ou confusa: De fato, os times começam a ter uma liderança funcional e outra liderança contextual daquela frente de atuação. Dessa forma, é importante que pessoas, como PMs, consigam saber exatamente como e para quem fazer reports e alinhamentos.
O headcount aumenta muito: De fato, dado que a estrutura matricial se suporta em criar unidades verticais composta por áreas multidisciplinares, de forma que essas iniciativas verticais sejam independentes de outras unidades, a visão de silos, que geralmente tenta suportar várias iniciativas de diferentes áreas, deixa de existir;
Dificuldade de manter sinergia entre as áreas: embora as unidades verticais de negócio devem ser independentes, elas precisam ter grandes níveis sinergia e comunicação. Caso contrário, voltamos a estaca de criação de silos, só que em vez de silos específicos de uma disciplina, nós temos um silo contextual. Nesse caso, é necessário haver uma governança de processo que garanta a comunicação, o alinhamento e a sinergia entre as áreas. Isso precisa ser responsabilidade dos líderes e gestores, além do time de operações (estratégia, product ops, agilistas etc);
Conflito entre as lideranças horizontais e verticais: o ego sempre é nosso inimigo. Geralmente quando estamos numa estrutura matricial, é comum que lideranças da horizontal, principalmente, entendam que estão perdendo força de decisão, por terem apenas uma responsabilidade funcional e técnica sobre as pessoas daquela especialidade, sem ter tanto uma atuação nas decisões de um escopo de iniciativa ou de negócio. Algo parecido pode acontecer com lideres da vertical, onde diversas vezes acham que tem poder de decisão técnica, tentando direcionar duramente como algo deveria ser feito ou construído. Para mim, são duas responsabilidades claras: quem lidera a vertical decide o O QUE. Quem está na horizontal, ajuda o time a decidir o COMO. Vemos isso depois;
Contudo, eu entendo que se a estrutura matricial deve ser implementada de forma evolutiva e quanto mais cedo uma empresa começar a fazer a mudança, melhor. Se houver aquele plano de evolução de estrutura de organizacional, conectado com o plano de investimento e crescimento da empresa, a estrutura matricial não é dolorida. O difícil é quando empresas já estabelecidas, com uma estrutura atual complexa, tenta mudar de uma vez para a estrutura matricial. Não funciona.
A estrutura organizacional precisa ser alinhada com a estratégia e proposta pretendida pela empresa.
Eu não estou dizendo que a estrutura matricial é uma bala de prata. Mas para empresas de tecnologia, elas costumam funcionar muito bem. Para empresas de outras naturezas, pode não funcionar totalmente. Então, tente identificar critérios na sua empresa para entender se faz sentido ter uma organização estrutural totalmente baseada em matriz, ou se há adaptações a fazer.
Contudo, definitivamente, eu entendo que para times de produto, uma estrutura matricial faz muito sentido, por que conecta os times exatamente com a visão estratégica perseguida pela empresa.
O que é uma estrutura matricial
Bom, o nome já dá a resposta certo? É uma estrutura organizacional que visualmente forma uma matriz, onde há contextos verticais, geralmente conectadas ao escopo de negócio e outro contexto horizontal, geralmente conectado ao escopo de especialidade de área, necessária para que aquela unidade de negócio funcione sem depender de outras unidades.
Nada muito difícil de entender visualmente, certo?
Os contextos de negócios representando verticais na empresa, podem ser definidos de diversas formas:
Unidades que representam os modelos de negócio em que a empresa atua.
Se fosse o Spotify cada contexto poderia ser: Audio Books, Podcasts, Música.
Na OLX Brasil pode ser: Goods, Autos, Real State.
Segmentos que a empresa atende para entregar sua proposta de valor. Fica fácil de entender se a empresa for um marketplace de vários lados, pois aí cada vertical pode representar uma ponta que cria a visão da plataforma.
Se for o Quinto Andar, poderia ser: Consumidores, Proprietários, Corretores, Imobiliárias, Fotógrafos, etc.
Se for o Airbnb, poderia ser: Proprietários, Consumidores
Se for o iFood, poderia ser: Entregadores, Restaurantes, Consumidores
Os dois formatos podem coexistir, mas a atuação deles pode ser bem diferente. Exemplo: se o Spotify se organiza por modelos de negócio, dentro da unidade de Audio Books, ele precisa garantir que consumidores, autores e editores (exemplo), sejam atendidos. Então, teoricamente, lá dentro eu ainda separaria em tribos (ou grandes áreas), garantindo que esses segmentos sejam atendidos.
Um ponto importante aqui é: a definição matricial definida pela empresa, deveria ser seguida e replicada para os times. Isso facilita MUITO a interação, sinergia e alinhamento tático das diferentes áreas, melhorando a eficiência e principalmente potencializando a eficácia.
Quem nunca trabalhou em uma área onde um determinado time, por exemplo, vendas, com pessoas que estavam presentes em diversos projetos e contextos, com dificuldade de dar vazão nas decisões e na execução? Ou tinha dificuldade em saber com quem falar dentro de um time sobre um determinado assunto, dado que aquele time era um silo, e os projetos eram executados por ordem de prioridade?
Quando a unidade de contexto é independente, com todas as especialidades e capacidades dentro daquela vertical, diminuímos fricção pela falta de comunicação e relacionamento.
Jornadas comuns e frentes de negócio
Não são apenas contextos de negócio que viram verticais, mas também contextos que suportam as propostas de valor para o negócio. Um possível exemplo, ainda usando o Spotify:
Veja, o creator ou o usuário precisam se cadastrar na plataforma. Eles precisam escolher seus planos de assinatura. No caso do creator, ele precisa ter uma visão geral das suas vendas, estatísticas dos conteúdos, comportamento dos seus assinantes e ouvintes.
Ainda que as verticais de Audio books, Music e Podcast cuidem da experiência dos Creators e Consumidores, dentro desses contextos, há uma série de atividades e ações que são genéricas e executadas fora desses contextos de negócio.
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