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Estratégia de Produtos

O que é estratégia

O que é estratégia do ponto de vista holístico da palavra e como a estratégia de produto se relaciona com esse conceito.

A definição que eu acredito do que seja estratégia

É estranho começar esse tópico dizendo que é difícil definir o que é estratégia. Parece aquela citação[1] famosa creditada ao Santo Agostinho que diz "Eu sei o que o tempo é, até alguém me perguntar a sua definição e então eu não consigo responder". Estratégia se encaixa nessa mesma categoria.

Acredito que a estratégia de negócio seja o principal direcionador para tudo o que fazemos na empresa. Eu sei, é óbvio, contudo, é muito comum ouvirmos queixas sobre o mau alinhamento ou falta de comunicação da estratégia da empresa. Dessa forma, não há outra maneira de começar esse assunto sem abordarmos e estabelecermos uma base fundamental do seja estratégia.

A estratégia de produto são as escolhas que a área priorizará, com o intuito de trazer resultados para o negócio, contribuindo com o posicionamento pretendido pela empresa, por meio da experiência de uso e do comportamento dos usuários nas nossas plataformas.

Você precisa entender que existe uma linha divisória entre decidir O QUE fazer e decidir COMO fazer. Essa fronteira é muitas vezes difícil de perceber, e se a ultrapassarmos, estaremos removendo do time o seu poder de autonomia para tomar decisões.

Na minha opinião, quando olhamos do ponto de vista do negócio, a estratégia de produto já é parte da resposta do COMO fazer para alcançarmos nosso objetivo de longo prazo.

Exemplos de decisão estratégica de produto:

  • Decidir o segmento ou sub-segmento (de mercado ou usuário, por exemplo) que focaremos nesse momento. Esse segmento é uma derivação do segmento de mercado/usuário já definido pela estratégia de negócio;
  • Definir se haverá um ou vários apps para atender os usuários de um segmento (B2B, B2C, parceiros, etc);

O óbvio tem que ser dito: a estratégia de produto é uma derivação direta da estratégia de negócio. Mas o que realmente é estratégia de negócio?

O que é estratégia a partir de uma visão de negócio

Nas palestras do Michael Porter[2], ele sempre contextualiza o que é Estratégia na visão dele, e então, a partir dali, ele desdobra sobre suas perspectivas acerca do assunto. É também muito comum que livros sobre esse assunto também comecem com frases mais ou menos assim: "Nesse livro, estratégia é...". Exatamente por que pessoas diferentes explicam o que é estratégia de formas diferentes.

Talvez, por causa dessa diversidade de definições sobre o que é estratégia, as empresas e seus times muitas vezes se perdem, sem uma direção clara de para onde estão caminhando ou sem ao menos justificarem os resultados que estão buscando. Mas não há nada ruim que não possa ficar pior: a empresa pode estar considerando uma definição de estratégia equivocada e mal elaborada. A história do "quando não se sabe para onde quer ir, qualquer lugar serve" não pode ser tolerada nesse caso. Quando a liderança não sabe para onde quer ir, é fim pode ser desastroso.

Todos sabemos que estratégia está atrelado a visão macro de longo prazo. Mas essa é a parte fácil. O difícil é entendermos como isso é criado, desdobrado, evoluído e monitorado. No mundo real raramente temos respostas óbvias, por isso, não quero que a minha palavra valha mais do que a sua, pelo contrário: espero que você absorva o relevante do meu ponto de vista para formar a sua visão crítica sobre esse assunto.

Para termos uma discussão saudável sobre os assuntos que contemplam esse livro e para você entender todas as ideias que trarei, é importante que você saiba qual a definição de estratégia que acredito, mesmo que não seja a mesma definição que você acredita. Dessa forma, consigo ficar tranquilo para seguir com o meu racional durante todo o livro.

Para mim, foi mais fácil entender o que é estratégia a partir do que não é estratégia.

O que NÃO é estratégia

Estratégia é uma daquelas palavras banalizadas. Usa-se para tudo, até mesmo para o que não é estratégia. Confundimos o tempo inteiro iniciativas táticas com direções estratégicas. Contudo, é importante saber quando estamos empregando o termo de forma genérica.

Não é só uma questão de ler como o dicionário define estratégia, ainda mais porque eu não concordo com o que está no dicionário. No Cambridge Dictionary, a definição de estratégia é:

Um plano detalhado para atingir sucesso em situações como guerra, política, negócios, indústria, esporte ou a capacidade de planejar para tais situações. Uma forma de fazer algo ou lidar com algo. - https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/strategy

E eu discordo um pouco dessa definição, porque se estratégia é um plano, estamos planejando algo que já foi definido anteriormente. Faz sentido?

Consigo destacar aqui três grandes pontos nos quais confundimos com estratégia:

  • Planejamento;
  • Missão e Visão;
  • Objetivos de longo prazo;

Provavelmente você deve ter outras sugestões para acrescentar nessa lista, mas julgo que esses três pontos são os mais comuns.

Não é planejamento

É muito comum que as pessoas associem o "precisamos pensar de forma estratégia" com a falta de planejamento. A diferença entre planejamento e estratégia é bastante sutil, mas estratégia vem antes do planejamento. Quando temos uma estratégia definida, pensamos no plano para executá-la.

É no planejamento e não na estratégia que definimos a ordem das ações. Existe uma pegadinha aqui: podemos usar a palavra planejamento para um momento onde iremos pensar sobre a estratégia. Até caberia o termo planejamento estratégico, como o momento de elucubrar e discutir sobre as decisões estratégicas, mas definitivamente não é aqui que definimos a estratégia.

O termo de "planejamento" é definido no Cambridge Dictionary como "O ato de decidir como fazer algo"[3].

Nesse caso, como estamos falando sobre construção de produtos digitais, podemos definir que planejamento é simplesmente o ato de colocar os entregáveis em uma ordem coerente, conforme as limitações de orçamento, escopo, prazo e resultados esperados.

Dessa forma, estratégia trata-se primeiro da identificação da direção e depois vem o planejamento sobre como percorreremos essa direção, garantindo transparência sobre o percurso que desbravaremos.

Por isso, é tão importante que você pense e decida o que fazer antes de planejar. E que pensar seja sua prioridade. Estrategistas que não pensam são apenas planejadores.

Não é missão, visão ou propósito

A missão e a visão da empresa são partes importantes da estratégia. Elas ajudam a materializar e principalmente a delimitar o caminho que a empresa escolheu percorrer. Mas a diferença entre estratégia e missão da empresa, é que a estratégia é concreta e específica. Ela inclui escolhas, inclui passos, bem claros, que serão seguidos pela empresa.

A missão e a visão da empresa tem muito mais a ver em como a empresa quer ser percebida pelos seus funcionários, pelo mercado e pela sociedade. Faz parte da estratégia ter missões, visões e propósitos coerentes com a sua estratégia, porque a proposta da empresa potencializa os resultados.

Um propósito bem escolhido (eu tenho visto as empresas fazerem uma mudança de missão/visão para propósito, eu gosto da ideia e fica mais simples para as pessoas se reconhecerem e integrarem seu propósito pessoal com o da empresa) traz pessoas motivadas e inerentemente conectadas com a empresa e com o motivo dessa empresa existir.

A Patagônia tem um propósito[4] muito claro de ser sustentável em todos os pontos de sua produção. Mas não é só isso, ela quer causar impacto social, econômico e principalmente ambiental enquanto trabalha para ser uma empresa lucrativa. Em 2020 a Patagonia teve US$210MM em vendas brutas.

E ainda durante a pandemia, Yvon Chouinard[5], founder da Patagonia, decidiu[6] continuar pagando todos os funcionários mesmo com todas as suas lojas fechadas.

A Patagonia decidiu seguir com a sua estratégia de fabricação e venda de roupas sendo sustentável e causando impacto social e sobretudo ambiental. A estratégia de crescimento da Patagonia é uma coisa. O como ela fará isso de forma sustentável, é outra. Quem disse que ela não pode fazer marketing[7] inteligente[8] para vender mais roupa?

Não são objetivos

É muito reconfortante quando dizemos onde a empresa deverá estar dali 5 anos. Colocamos um objetivo gigante, difícil de ser atingido, que mobiliza toda a empresa e que provavelmente vai nos destacar o mercado. Todos procuram se organizar para comunicar essa decisão além de decidir os processos, tarefas, estruturas de time e tudo o que precisamos fazer para executar e alcançar esses objetivos definidos.

Quantas vezes nós ouvimos que a estratégia da empresa é:

  • Ser o número 1 ou 2 do mercado;
  • Alcançar XX Bilhões de faturamento;
  • Dominar o mercado XYZ;
  • Ser global;

Na verdade, esses pontos são objetivos. São aspirações. É o que queremos obter. São simplesmente ações.

Estratégia é o como iremos materializar a visão e causa justa nos modelos de negócio da empresa, e o que faremos para produzir diferenciações dos concorrentes para chegar a esses objetivos. Quais as decisões que faremos para que isso aconteça. Estratégia tem muito mais a ver com uma visão holística, de como a empresa se posiciona no mercado para obter vantagens sustentáveis.

Aqui é interessante: geralmente atrelamos o COMO com decisões táticas. Iremos falar mais sobre isso no decorrer do livro, mas é importante saber que o COMO e o O QUE existem em todos os níveis da estratégia. Então, tente não atrelar o COMO sendo tático e o O QUE sendo estratégia. Isso não faz sentido.

Um exemplo: em uma empresa de capital aberto subir o preço das ações é o resultado. O objetivo é ter alta performance econômica. Estratégia é o conjunto de decisões que criarão essa alta performance, não em um ou dois anos, mas de uma maneira sustentável. E só decidimos termos performance econômica sustentável, porque isso cria valor para a empresa. E se temos uma performance sustentável com entrega contínua de valor, o preço das ações aumentam de forma saudável por causa da confiança criada nos acionistas por causa desses objetivos atingidos.

Esses objetivos não são independentes da estratégia, na verdade, esses objetivos estão embutidos na estratégia.

Para ser claro: estratégia não são os objetivos em si. Mas a junção desses objetivos são o resultado das decisões estratégicas que tomamos para posicionar a empresa no mercado. Um conjunto de decisões nos faz chegar nesses objetivos, que podem servir para monitorar o sucesso da estratégia.

As abordagens que definem estratégia

É muito simplista dizer que estratégia é visão de longo prazo da empresa. Alfred Chandler[9], diz que estratégia é a determinação de goals para a alocação de recursos. O Max Mckeown, diz nessa palestra[10] que estratégia é sair do ponto A para o ponto B. Ambas as definições são simplistas demais para mim.

Você pode encontrar por aí várias abordagens que tentam definir o que é estratégia, sempre envolvendo visão macro de longo prazo da empresa. Mas, na minha opinião, existe apenas uma visão completa o suficiente, que é a do Michael Porter. Boa parte do meu pensamento sobre como estratégia funciona, vem do Porter e dos conteúdos de pessoas que conseguiram evoluir seu pensamento por meio da experiência aplicando os princípios que o Porter explorou.

A visão de Michael Porter

Adotei a visão do Porter como a minha visão padrão do que é estratégia não porque ele é o guru sobre esse assunto, mas por que é a visão mais completa e abrangente que eu conheço. Até mesmo as duas próximas abordagens de Whittington e de Lafley, Roger Martin e Jeniffer Riel que comentarei logo em seguida são derivações, com poucas modificações da visão original do Porter.

É importante notar que Porter não define estratégia em sendo apenas uma coisa. Visões simplistas como sair do Ponto A para o B são simplificações muito fracas para conseguir definir o que realmente é estratégia e o quanto ela é um assunto abrangente.

De acordo com Porter[11], a definição de estratégia seria um composto de três pontos principais:

  • Escolhas: Um conjunto de escolhas de longo prazo;
  • Diferenciação: Essas escolhas fazem o negócio se diferenciar dos concorrentes;
  • Competição: Como se articula as vantagens competitivas para alcançar um posicionamento único e sustentável;

Esses três pontos são sinérgicos e devem trabalhar em conjunto e são essenciais porque podem ser desdobrados em várias outras disciplinas e assuntos dentro da empresas. É mais ou menos isso que o Lafley, Roger e Jeniffer tentam simplificar no framework que falarei mais a frente. Mas algo mágico acontece quando a diretoria, líderes e times entendem que estratégia é um conjunto de escolhas que trazem resultado de longo prazo, sendo que essas escolhas diferenciam a empresa da concorrência, facilitando a construção de vantagens competitivas com o objetivo final de dar a empresa um posicionamento único no mercado.

Muito mais fácil falar do que fazer. Eu sei. Mas tentaremos detalhar um pouco mais o que o Porter que dizer com estratégia ser escolhas, diferenciação e competição.

Escolhas: Pepsi e Mobly

Acredito que mais importante do que escolheremos, é o que não escolheremos. Quando escolhemos um caminho, invariavelmente estamos deixando de escolher outro caminho. Quando decidimos priorizar algo, estamos automaticamente despriorizando outra coisa.

Quando se trata de escolhas estratégicas, basicamente estamos falando sobre trade-offs que a empresa enfrentará para criar uma consciência única entre as pessoas. Escopo de atuação, segmento ou o grupo de segmentos de mercados, ou setores industriais, são questões de escolhas com opções únicas, onde escolhendo uma opção, excluem-se as outras opções automaticamente, mesmo que temporariamente.

Pepsi

Foi assim com a Pepsi lá em 1997, onde usa performance financeira não estava muito bem. Ela teve um aumento marginal apenas de 4%, saindo de USD$30.4 bilhões em 1995 para USD$31.6 em 1996. Os analistas apontaram a causa dessa estagnação como falta de atenção ao core do negócio, observando uma série de pontos importantes, que comparavam o posicionamento da Pepsi com a Coca-cola. Por exemplo, em 1998, a Coca-Cola gerava algo em torno de 63% de vendas em mercados internacionais (fora dos EUA), a Pepsi apenas 31%.

Logo, no final da década de 1990 e no começo dos anos 2000, a Pepsi decidiu executar uma série de iniciativas para reestruturar a empresa. A primeira decisão foi criar uma empresa independente responsável pelo engarrafamento dos seus produtos. Isso aconteceu em Setembro de 1998. Logo em Janeiro de 1999 ela vendeu 65% da sua parte e levantou pelo menos USD$2 bilhões. Isso ajudou ter resultados nas operações, saindo de USD$2.5 bilhões em 1997 para USD$3.2 bilhões no ano fiscal de 2000[12].

Uma outra iniciativa mais ousada foi separar e vender a sua divisão de restaurantes, que era responsável pela Pizza Hut, Taco Bell e KFC[13]. O que o Roger Enrico (CEO da Pepsi em 1996) diz é que na época que esse movimento aconteceu, fazia sentido para a Pepsi adquirir esses restaurantes e se tornar uma potência nesse mercado. O Taco Bell e a Pizza Hut eram ainda pequenos e com algum investimento eles cresceram rápido e se tornaram relevantes. Contudo, com o tempo, a dinâmica desse mercado se desalinhou com o negócio core da Pepsi que era bebidas e snacks, e isso estava atrapalhando muito a competição com a Coca-Cola.

Para você ter uma ideia, no ano fiscal de 1996, a divisão de bebidas da Pepsi reportou lucro operacional de apenas USD$582 MM (dentro de USD$10.5 bilhões de receita), que comparado com a Coca-cola que reportou um lucro de USD$ 3.9 bilhões (dentro de USD$18.5 bilhões de receita).

**Fonte**: Página 3 do relatório para investidores de 2022. https://www.pepsico.com/docs/default-source/investors/cagny-2022_webdeck_final_cagny_5c2agmbd6r98t98w.pdf

Embora a decisão de diversificar o negócio seja uma boa ideia, a forma sobre como isso é operacionalizado e executado pode atrapalhar muito o core da empresa. É totalmente necessário explorar oportunidades e mercados nas camadas adjacentes e transformacionais ao nosso core, mas essas oportunidades precisam ter um nível grande de sinergia com o negócio core.

A atuação em oportunidades afastadas do core da empresa deve ser progressiva até que essa oportunidade se torne um negócio e seja finalmente absorvida, de forma totalmente integrada e sinérgica com o que já existia anteriormente.

**Fonte**: Como a Pepsi cuida do seu core, mas apostando em oportunidades adjacentes e transformacionais - https://www.pepsico.com/docs/default-source/investors/cagny-2022_webdeck_final_cagny_5c2agmbd6r98t98w.pdf

A Pepsi deixa bem claro que um dos objetivos dela em 2022 é estender as suas marcas e capacidades de bebidas e comidas de conveniência. Comidas de conveniência são aquelas comidas rápidas, que você realiza sem trabalho nenhum quando tá com pressa. Essa é a forma da Pepsi de expandir, basicamente, seu braço de snacks e ter um pé, mesmo que pequeno, no mercado de alimentos.

**Fonte:** https://www.pepsico.com/docs/default-source/investors/cagny-2022_webdeck_final_cagny_5c2agmbd6r98t98w.pdf

Se para Pepsi a saída para resolver seus problemas financeiros foram delimitar mais a visão estratégica, se focando mais no seu core, para outras empresas a saída pode ser exatamente o oposto: escolher diluir seu foco em vários tipos de negócios, procurando atuações mais abrangentes em mercados e setores industriais diferentes. Algumas empresas como Movile, P&G, Mitsubishi e Rolls-Royce, decidiram por esse caminho.

**Fonte**: Os 5 estágios do sistema de negócio da Rolls-Royce - https://www.rolls-royce.com/about/our-strategy.aspx

Perceba que todas as empresas citadas tem diversificações de negócio baseadas no seu core business e assim como a Pepsi, todos os negócios seguem o escopo geral da empresa.

Rolls-Royce, por exemplo, coloca a manutenção e defesa do seu core Business como o primeiro ponto da sua visão estratégica[14].

Procuramos novos mercados e produtos que trazem novas tecnologias e capacidades, gerando escala e sinergias. - Rolls-Royce - Build balanced portfolio - https://www.rolls-royce.com/about/our-strategy.aspx
Mobly

A IKEA e a Southwest Airlines são outros bons exemplos de empresas tradicionais que fizeram escolhas profundas no seu modelo de negócio. As duas empresas, em mercados totalmente diferentes, tiveram escolhas parecidas em relação a como operar seus negócios otimizando eficiência operacional de modo a encontrar um preço médio acessível, mantendo a qualidade dos seus produtos e serviços. No Brasil, a Mobly é uma espécie de IKEA, mas a ideia de fundar a Mobly foi inspirada na Wayfair.

A Wayfair tem uma linha de negócio muito similar da IKEA, só que ela nasceu online e cresceu muito por causa disso. Já IKEA é uma gigante que tinha seu negócio fundamentado em lojas físicas. Contudo, ela já é bastante digital, inclusive com iniciativas digitais incríveis sobre como a tecnologia pode mudar nossa forma de morar. Eles mostram esses experimentos no site Everyday Experiments[15].

A Mobly nasceu como e-commerce de móveis e decoração. 10% é acessório, o resto são móveis. No final de 2018 eles expandiram para ser omnichannel, abrindo lojas físicas. O core da Mobly é a venda e a operação logística de móveis. A estratégia deles se divide em 4 pontos:

  • Ser omnichannel, porque isso traz uma série de benefícios de marca, logísticos e experiência de compra;
  • Ter variação de produtos. A Mobly tem mais de 250 mil itens disponíveis. Mais de 40% das vendas, até setembro de 2021, era da marca própria da Mobly. Tendo diferencial de custo quanto de preço para consumidor final, com um design acessível;
  • Controle logístico. Todos os sistemas que a Mobly usa para operar sua logística é própria. Eles têm um braço chamado MoblyLog, que apoia na estratégia de controlar a cadeia de valor nesse braço logístico, com detalhe para o Crossdocking, que é todo esse sistema de coletar o móvel direto no fabricante e entregar para o cliente, sem a necessidade de ter estoques enormes;
  • Ter tecnologia proprietária, construindo seus próprios produtos, além de investir pesado em data science, tanto pra fazer precificação, quanto para melhorar a inteligência de marketing e logística para aumentar eficiência;

A Mobly enxerga que o mercado de venda online de móveis ainda está na casa dos 10% de penetração. O Victor Noda, fundador da Mobly, diz[16] que o mercado móveis é muito fragmentado por pequenas lojas, que tem opções limitadas e não tem tanta flexibilidade de preço ou inteligência digital. Para você ter uma ideia, a IKEA, em 2021, faturou EUR€ 41.9 bilhões[17]. Em 2022 é esperado que o faturamento das vendas via e-commerce no mercado de móveis seja de USD$394 bilhões. No Brasil, em 2020, a receita era de USD$51.091 milhões (comparado com USD$52,745 em 2019)[18]

A escolha da Mobly é de ser baixo custo (gestão de estoque praticamente inexistente), com custo operacional baixo e sob controle (por isso ter tecnologia própria). Ela não quer ser uma Tok&Stock ou uma Etna, com designs rebuscados e preço superior. Ela quer atingir larga escala, para um segmento de pessoas que quer ter bom design, com preço justo.

**Fonte**: Statista - Consumer Market Outlook

Eficiência operacional é o como, não a estratégia em si. Estratégia é seu posicionamento único no mercado. A Mobly tem um posicionamento único no mercado.

Posicionamento - uma vez sendo o coração da estratégia - é rejeitada como muito estática para a dinâmica atual dos mercados e das mudanças da tecnologia. --- Porter, Michel - Operational Effectiveness is Not Strategy

As escolhas têm a ver com perguntas que queremos responder a fim de encontrar o caminho tático. Algumas das perguntas mais simples e populares são:

  • Qual é a aspiração/objetivo da empresa? Onde queremos estar daqui 1, 5 e 10 anos? Que tipo de empresa queremos ser?
  • Qual o mercado que estamos atuando agora?
  • Qual o tamanho desse mercado?
  • Quais as restrições desse mercado?
  • Quais os efeitos e impactos socioeconômicos no mercado?
  • Quais os players que já estão atuando?
  • Esse mercado vai ou pode mudar por alguma tendência tecnológica?
  • Esse mercado pode ser modificado permanentemente por conta de uma mudança política ou regulatória?
  • Os players desse mercado estão aqui a quanto tempo? Eles sobreviveram a algum tipo de crise?

Veja que são perguntas que não entram na execução em si. Nesse momento quero saber quais as restrições desse mercado, como: restrição tributária, possíveis regulações de atuação, certificações/aval de reguladoras ou governamental, restrições estruturais e ambientais, por exemplo. Você ainda não está pensando em como o time tributário será estruturado ou como ele trabalhará, você só quer saber se existe alguma restrição específica.

Não existe uma resposta errada nesse caso, isso dependerá bastante de como a empresa consegue se estruturar para lidar com os dilemas de querer uma estratégia focada ou uma estratégia mais genérica e abrangente. Novamente, tudo sobre fazer escolhas.

Participação das exportações mundiais - 1980-2012 - https://www.isc.hbs.edu/Documents/pdf/2013-1205---Can_Japan_Compete_Revisited---Michael_Porter.pdf
Diferenciação: Alibaba

Obviamente é possível fazer a mesma coisa que seu concorrente, mas melhor. Isso se chama excelência operacional, mas não é exatamente uma diferenciação. A Mobly tem excelência operacional, mas com o tempo as suas concorrentes conseguem melhorar suas operações o suficiente para conseguir equiparar sua excelência operacional. Não é performance operacional que distingue uma empresa dos concorrentes, pelo menos não em visão de longo prazo.

China e Japão

Essa diferença também não pode envolver simplesmente custo e preço. Essas duas alavancas, embora sejam importantes para o negócio, não são os fundamentos principais da estratégia de qualquer empresa. Essas alavancas também são replicadas pelos concorrentes.

A maioria dos brinquedos que eu ganhava quando eu era criança, lá pelos anos 90, era fabricada no Japão. Naquele tempo, as empresas japonesas investiam em eficiência operacional, numa estratégia de copiar produtos populares e vende-los com preço baixo e qualidade bastante aceitável.

Mas com o avanço da tecnologia e com a criação de novos métodos e processos, essa eficiência operacional foi alcançada pelos concorrentes ao redor do mundo. Empresas de um mesmo setor tendem a usar tecnologias e processos similares. Métodos e boas práticas são disseminados, seja por movimento de funcionários entre as empresas, seja por consultorias, cursos ou outros meios. Mais cedo ou mais tarde as empresas alcançam uma eficiência operacional relevante, seja por meios orgânicos ou por investimento ativo.

O Porter diz, em um artigo de novembro 1996[19], que empresas japonesas raramente tinham estratégias que diferenciavam-nas das outras empresas. Eles investiam muito em escala, produtividade para conquistar baixo custo e preço acessível. Mas logo esse gap entre as empresas japonesas e o resto do mundo começou a diminuir e aí, o que era uma exclusividade, se tornou popular.

Hoje, a China está jogando em um campo parecido. Digo parecido, pois a China institucionalizou seu serviço. Eles são a "fábrica do mundo"[20]. Eles não fabricam apenas os próprios produtos, mas os produtos do mundo inteiro. Eles evoluíram a estratégia do Japão. A minha visão é que a China, como um país, é um negócio.

Para mim, o que a China está fazendo diferente, é que ela se desenhou como um serviço. Desde seus processos e métodos até a sua força de trabalho. Países e empresas compram disciplina, baixo custo e tecnologia da China. Não é o mundo competindo com a China, pelo contrário: a China ofereceu para o mundo uma proposta irrecusável e todo mundo aceitou. Isso está transformando a China na maior potência mundial. Se você gosta de ler sobre teoria da conspiração, o livro The Hundred-Year Marathon[21], fala um pouco do plano já estabelecido da China de ultrapassar os EUA como a maior potência mundial.

A ambição da China de se tornar a potência dominante mundial sempre esteve presente, praticamente gravada no DNA cultural do país e escondida, como ele diz, à vista de todos. -- Tradução livre da citação de French, W. Howard, - https://www.wsj.com/articles/book-review-the-hundred-year-marathon-by-michael-pillsbury-1424996150

Eu acho que a China vai empatar ou liderar como potência mundial. Eles transformaram o país em um negócio. Tirando todas as coisas estranhas[22] que acontecem na China conectadas com o seu controle político, eles com certeza estão obtendo sucesso seja lá qual plano eles estejam executando.

Alibaba

Empresas chinesas hoje, ao contrário das japonesas citadas pelo Porter, conseguem claramente se destacar da concorrência, sobretudo as empresas de tecnologia. A diferenciação que as empresas chinesas trazem é que seus serviços funcionam como um ecossistema, diferente do modelo Japonês, onde o produto era o fim. Na China, o produto, principalmente os produtos digitais, são o meio.

O Alibaba é um ótimo exemplo sobre como uma varejista chinesa consegue se destacar no mercado mundial, não apenas no mercado local. Eles trouxeram baixo custo e alto sortimento de produtos para o mundo por meio das suas plataformas digitais.

O modelo de diferenciação do Alibaba se divide em basicamente três pontos:

  • Baixo custo;
  • Promoções recorrentes;
  • Facilitação por meio da tecnologia;

Eles já têm escala explorando o seu próprio país, que é a China, um dos maiores mercados de varejo online que existe. O desafio é sustentar a escala mundial, aumentando a acessibilidade de compra de produtos chineses, com preços altamente competitivos, para os consumidores globais, garantindo entrega eficiente. Tendo já provado que o modelo do Alibaba funciona, eles facilmente conectam outros serviços à este core, criando mais defesas competitivas, como o AliPay, Taobao e o AliExpress.

Mas como eu disse anteriormente, o que faz o Alibaba ser diferente é o seu ecossistema. Ele não é só um e-commerce, ele é um conglomerado de empresas que usam a tecnologia e dados para fazerem negócios.

At Alibaba, we realized we had the ingredient for creating a high-functioning, scalable, and profitable SME lending business: the huge amount of transaction data generated by the many small businesses using our platform. --- Zeng, Ming, chairman do Conselho Acadêmico do Grupo Alibaba - https://hbr.org/2018/09/alibaba-and-the-future-of-business

Diferenciação não vem de uma ou duas coisas, mas do conjunto da obra.

O que acontece quando não há diferenciação entre produtos ou serviços prestados por empresas de um mesmo setor? Achatamento de margem e competição de preços. Esses são efeitos claros e latentes quando empresas não fazem escolhas que não as levam para uma diferenciação clara e percebida pelo cliente.

A empresa só consegue ter vantagem perante seus adversários, se conseguir preservar no longo prazo o que a faz diferente do resto. E um dos talentos mais importantes é conseguir identificar quando essa diferenciação está prestes a se tornar comódite[23], ela transforma ou cria novamente uma nova diferenciação duradoura.

Competição: Itaú e XP

Qual a ideia fundamental na competição comercial?

A grande verdade é que competição no dia a dia, como no esporte, difere do mundo dos negócios ou de uma competição teórica. Na competição urgente e imediata dos esportes existem improvisos e urgências. Há falta de previsibilidade das respostas. As ações precisam ser totalmente imediatas em uma dinâmica de ação e reação. A competição entre as empresas é algo um pouco menos frenético, embora seja bastante nervoso.

O Peter Thiel, no seu livro De Zero a Um[24], fala que concorrência no mundo dos negócios é "significa ninguém lucrando, nenhuma diferenciação significativa e uma luta pela sobrevivência". E essa luta pela sobrevivência acontece por que não é só a sua empresa que tem estratégia, mas seus concorrentes também. Isso torna o jogo dinâmico, onde o jogador que for mais inteligente e se adaptar melhor a resposta reativa do concorrente, ganha.

Itaú e XP

Em Maio de 2017, o Itaú comprou 49% da XP. A XP começou um movimento de "desbancarização" bastante forte desde a sua fundação (2001), aliando educação com plataforma de investimento, num movimento de tentar migrar investidores que tinham seus principais investimentos em grandes bancos, em corretoras. Esse movimento deu certo. Em 2016 a corretora já faturava mais de R$ 1.3 Bilhões. O Itaú, adquirindo 49% da XP (com opção de compra do outro pedaço alguns anos depois), assegurava dessa forma que o dinheiro não saísse de casa.

Até que um belo dia, o Itaú veiculou um comercial de TV[25], onde o principal recado era o problema do conflito de interesse que há nas corretoras[26], principalmente a XP que tem seu modelo de negócio baseado em consultores que indicam investimentos para seus clientes, mas que possivelmente só indicavam investimentos que eles ganham mais comissão. Uma provocação dessa não era esperada pela XP, obviamente. Ninguém espera que um banco compre metade do seu negócio e depois declare guerra publicamente em horário nobre. Foi aí que a XP também respondeu ao ataque nas suas redes sociais e o Guilherme Benchimol escreveu uma carta[27].

Final da história: Itaú vende sua parte da XP[28]. E a XP estreiou na Nasdaq[29]. Teoricamente ela vale US$ 15,14 bilhões[30].

O Itaú, do meu ponto de vista, é um dos únicos bancões que está claramente tentando se adequar à nova realidade, mesmo que eles estejam tropeçando bastante. Sempre que uma XP e uma NuBank ganham destaque, elas são comparadas ao Itaú, que é, até então, o maior banco da América Latina. Só a sua marca vale mais de R$ 40,5 bilhões[31]. O seu valor de mercado é de US$ 39 bilhões[32].

Mas em nenhum momento a XP se retraiu por que o Itaú era o seu maior acionista. Nessa competição declarada e agressiva, tanto XP, quanto Itaú se posicionaram. Mas nessa competição, se coloque no lugar dos jogadores e tente responder:

  • Itaú saiu vencedor ou perdedor? E a XP?
  • A XP esperava um ataque desse do Itaú?
  • A visão de longo prazo das duas empresas estavam conectadas?

Estratégia é pautada por visão externa. Ou seja, é necessário medir, acompanhar e monitorar fatores externos para construir sua estratégia, e aí sim, trazer uma visão interna adequada para cumprir com a estratégia. As duas devem se conversar.

O Porter determinava que estratégia competitiva era quando a empresa conseguia estabelecer uma posição lucrativa e sustentável, contra as forças que determinam a competição da indústria que ela atua. Para Porter existem 5 forças principais no mercado:

  • Rivalidade dos concorrentes;
  • Produtos e Serviços substitutos;
  • Poder de barganha dos fornecedores;
  • Ameaça de novos entrantes;
  • Poder de barganha dos clientes;

O framework das 5 Forças de Porter[33] é bastante popular e você já deve ter usado em algum momento na sua carreira. Para mim, embora as cinco forças de porter sejam pilares fundamentais, o conceito precisa ser renovado por conta das mudanças do mundo moderno. Acho que os pontos abaixo complementam muito bem a lista das cinco forças definidas por Porter:

  • Economia de Escala;
  • Network Effect;
  • Pensamento de Plataforma/Marketplace;
  • Entendimento de risco de disrupção;
  • Decisões baseadas em dados;

Esses cinco pontos são características comuns em empresas com seu modelo de negócio baseado em tecnologia, que tem rápida escala como principal motivador, além de conceitos como monopólio que o Peter Thiel fala muito bem no livro De Zero a Um[34].

A abordagem de Lafley, Roger Martin e Jeniffer Riel

A. G. Lafley liderou a área de bens de consumo da P&G. Roger Martin foi reitor de uma universidade de gestão e negócios, além de ser consultor e conselheiro sobre estratégia em diversas empresas. E Jennifer Riel só é diretoria global de estratégia na IDEO. Veja bem, estamos falando de três pessoas que respiram estratégia diariamente. A. G. Lafley e Roger Martin escreveram juntos um dos melhores livros sobre estratégia que já li, chamado Jogar para Vencer[35]. Nesse livro, os dois contam como foi construir, comunicar, mobilizar e executar a mudança do plano estratégico da P&G entre 2000 e 2009. Nesse processo de mudança, Roger Marting e A. G. Lafley, CEO da P&G na época, chamaram Peter Drucker e Michael Porter para ajudá-los a orquestrar toda a transformação para a P&G realizar uma aplicação profunda do novo conceito estratégico.

A ambição da P&G era criar diversos produtos e serviços que pudessem melhorar a vida dos seus consumidores. Essa aspiração liderou todas as decisões da empresa. Desde criação de novos serviços e produtos, até contratação de pessoas ou M&As de outras empresas.

Eles conseguiram resumir em cinco questões importantes para sintetizar e consolidar a estratégia de uma empresa. Essas cinco questões devem estar altamente conectadas com a aspiração da empresa, ou seja, seu propósito mais essencial. Essas cinco perguntas são chamadas de Cascata de Escolhas Integradas e é mostrada no livro A PLAYBOOK FOR STRATEGY[36], escrito e organizado A.G. Lafley, Roger Martin e Jennifer Riel.

**Fonte**: Framework pelos autores do livro A PLAYBOOK FOR STRATEGY - https://hbsp.harvard.edu/product/ROT185-PDF-ENG

Eu gosto bastante desse framework, pois ele é um refinamento sinérgico com a ideia de estratégia competitiva do Michael Porter. Todas as questões envolvem como a empresa irá ganhar na sua indústria de atuação, construindo diferenciação sustentável de modo a alcançar posicionamento único no mercado.

As cinco questões são:

  • Qual é a ambição/aspiração vencedora? Qual a posição no mercado que e empresa quer alcançar? Como ela quer ser percebida pelo mercado e pela sociedade?
  • Onde jogar? Qual campo a empresa irá jogar? Quais segmentos, pessoas, indústrias ela irá impactar para alcançar sua ambição? Quais as regras do jogo nesse campo? Quais as regulamentações e limitações?
  • Como ganhar? Quais os passos e o planejamento que a empresa irá assumir para ganhar esse jogo? O que ela irá ou não irá fazer? Quais os trade-offs?
  • Temos todas as capacidades necessárias disponíveis? Temos todas as pessoas e recursos financeiros para executar essa estratégia? Temos toda a tecnologia e o conhecimento necessário para executar o nosso plano?
  • Quais sistemas de gerenciamento e processos usaremos para medir? Como saberemos que ganhamos? Como mediremos o sucesso? Como mediremos nossa progressão? Quais os processos e métodos os times irão usar para executar o plano? Como iremos operacionalizar nossa estratégia?

A. G. Lafley e Roger Martin dizem no livro Jogar para Vencer[37], que na P&G, decidir onde jogar começava com todo mundo conhecendo o consumidor. Embora o mesmo consumidor possa comprar vários produtos diferentes da P&G, eles usam esses produtos para solucionar problemas diferentes. A lógica mental ao compra um detergente ou uma maquiagem são bastante diferentes. As pessoas raciocinam de forma diferente para adquirir produtos diferentes. Então eles procuravam conhecer melhor quem o consumidor era, o que ele queria e por que ele precisava daquilo.

Para vencer com produtos para mães, a P&G investe pesadamente em compreendê-las verdadeiramente - por meio de observação, visitas domiciliares, investimento significativo para descobrir necessidades não satisfeitas e não expressas. --- Lafley, A.G.; L. Martin, Roger. Jogar para vencer (p. 72). Alta Books. Kindle Edition.

Eles são bem objetivos quando dizem que empresas de todos os tamanhos, sejam startups ou multinacionais, enfrentam muitos desafios para decidir as escolhas de onde jogar. Tudo dependerá da quantidade de pessoas, dinheiro, tempo, momento e tecnologia. A capacidade de escala que uma empresa multinacional pode servir de vantagem, mas a velocidade de testar e avançar para a próxima hipótese faz mais sentido em empresas menores.

Isso é bom, porque a estratégia de atender todo mundo em todos os lugares, tentando entregar todas as soluções para todos os segmentos é uma escolha perdedora.

Outro ponto a se pensar é o cenário competitivo desse campo que a empresa decidiu jogar. Você quer competir com alguém se tiver alto grau de certeza de que pode ganhar naquele campo. Ninguém quer entrar em uma competição sabendo que é um jogo perdido. Analisar os competidores antes de entrar em um determinado segmento ou indústria é essencial para amplificar as chances de ganhar naquele jogo. Isso parece óbvio, mas não é. Às vezes, o segmento pode ser muito competitivo, mas você não entrará diretamente no campo principal para jogar. Você pode entrar num mercado adjacente para depois migrar para o mercado core, onde os competidores mais fortes estão. Sabendo quais os competidores do campo, você consegue saber qual o tamanho você quer ser para não chamar a atenção da competição. Você pode querer ficar pequeno tempo suficiente para ficar fora do radar.

Eu usei esse framework e devo dizer que ele funciona bastante bem, mas obviamente não é a bala de prata. Respondendo as perguntas que eles propõem, é possível ter uma visão macro muito boa do que seria a estratégia da empresa, mas ainda faltam tantas respostas intermediárias sobre como o modelo de negócio funcionaria, que é necessário usar outros tipos de frameworks para enriquecer o contexto e aperfeiçoar o desdobramento. Mesmo assim, esse framework é feito para ter uma visão essencial e relevante da estratégia e serve para a estimular discussões em diversos níveis da empresa, é pode servir como um discurso de bolso para explicar em onboardings ou até relembrar os times sobre os fundamentos essenciais.

Recomendo que você conduza esse exercício: tente responder essas cinco perguntas de uma maneira sucinta sobre a empresa que você trabalha hoje. Tente não pensar apenas com o viés da área que você atua, mas considere a empresa na totalidade. Identifique como as respostas se conectam com as atuações e iniciativas do produto que você atua.

Muitos líderes (e PMs) de produto tem problemas em fazer esse exercício, porque geralmente eles ou a empresa, estão focados apenas no curto prazo, criando um viés emergente e urgente, quase que trabalhando no improviso. Mas falaremos disso mais pra frente no livro.

As quatro abordagens de Whittington

Richard Whittington[38] defende que estratégia é pensar melhor e de maneira diferente (seja do concorrente ou de você mesmo no passado). Criar um racional de pensamento estratégico na empresa é uma tarefa difícil, porque envolve agregar pensamentos e contextos de todas as áreas, identificando sinergias e conexões entre áreas. Também é comum pensarmos que estratégia é uma visão de impacto externo, contudo a visão interna também é necessária para forjarmos unidade e cooperação de impactos.

E é aí que Whittington apresenta quatro escolas ou abordagens genéricas[39] de pensamento sobre estratégia:

  • Clássica: que busca maximizar o lucro com processos e planejamentos focados no longo prazo, tentando usar os recursos de forma eficiente, tendo um pensamento mais analítico e formal. Muito comum lá pelos anos 1960, tendo como referências o Ansoff e Porter;
  • Evolucionária: se baseia na ideia de que o ambiente na qual a empresa atua está sempre mudando e por isso a empresa precisa se adaptar, para sobreviver nesse ambiente de mudança. Investir em apenas uma ideia ou aposta não é factível nessa escola de pensamento, a ideia é manter as opções abertas para exatamente facilitar a resposta às mudanças, basicamente as três chaves aqui são: baixo custo, enquanto aumenta eficiência e manter a flexibilidade para novas formas de atuação;
  • Processual: essa abordagem se foca muito em pensamentos mais emergentes, descrevendo a estratégia como um processo de adaptação e aprendizado. Por isso, nesse racional, não há tanto valor em uma visão de longo prazo, e há muito mais ênfase em um desenvolvimento interno do que externo. Por isso, eles "descobrem" a estratégia muito mais atuando, que é a forma de aprender e se adaptar;
  • Sistemática: essa abordagem provavelmente é a que você conhece, pois ela acredita que estratégia é desenvolvida em sistemas complexos, que são culturalmente definidas. O processo para executar a estratégia e os resultados alcançados dependem muito do ambiente social que a empresa está atuando, onde a cultura não emerge apenas da empresa, mas da relação social que ela constrói;

Gosto bastante da visão do Whittington por que ela traz uma categorização mais moderna dos pensamentos estratégicos, nos ajudando a materializar até mesmo a personalidade das empresas por meio das categorizões. E dependendo da definição de estratégia que sua empresa se encaixa, seja a sistemática ou mais evolucionária, as abordagens de execução, planejamento, goals e estruturação podem ser diferentes.

**Fonte**: https://www.kazmaier-translations.com/business-strategy/a-critical-assessment-of-richard-whittington-s-four-generic-approaches-on-strategy/

No livro Exploring Strategy[40], Gerry Johnson diz que strategy is the long-term direction of an organisation (estratégia é a direção de longo prazo de uma organização). Tão simples quanto isso.

Contudo, eu acho que essa definição também é incompleta, dado que existem momentos - principalmente momentos imprevistos - que devemos trabalhar para o curto prazo, literalmente para que fazer o negócio sobreviver. Aí a estratégia é unicamente garantir a que a empresa se mantenha de pé e atuante no mercado, como aconteceu na pandemia, entre os anos de 2020 e 2021

Eu entrei na Sympla em Março de 2020, coincidindo com o momento que a pandemia chegou aqui no Brasil. Na semana seguinte da minha chegada, foi decretado lockdown nacional.

Como uma empresa que tinha seu modelo de negócio fundamentado em eventos presenciais, a Sympla amargou um ano e meio de luta. Nesse tempo, não havia espaço para pensar no longo prazo, apenas no curtíssimo prazo. As decisões eram tomadas de um dia pro outro. Visão de 5 anos foi pro lixo. Até mesmo por que depois da pandemia, já sabíamos que para o mercado de eventos, bastante coisa poderia mudar. Não apenas no mercado, mas principalmente na forma da Sympla de estruturar, atuar e lidar com o. seu negócio.

Nesse caso, os fundamentos mais essenciais da empresa não mudaram. A Sympla continuou, antes, durante e após a pandemia com sua proposta de valor mais fundamental que é simplificar a conexão das pessoas com momentos únicos por meio da tecnologia. Desde a pandemia essa proposta se fortaleceu. A empresa criou uma área de digital, construiu produtos para que organizadores e criadores possam vender e distribuir seus conteúdos online por meio de uma plataforma confiável.

Estratégia não pode ser estática. Se for, ela racha e se quebra com a pressão de forças externas (olha o Porter aí novamente), sejam essas forças vindas do mercado, concorrentes, de clientes ou até da natureza.


Bibliografia e referências

  1. TABOSA VAZ, A. A Visão de Santo Agostinho sobre o Tempo . Disponível em: http://www.filosofante.org/filosofante/not_arquivos/pdf/Agostinho_Tempo.pdf .
  2. SPEAKING & ADVISORY AND PR, S. S. G.; PORTER, M. Michael Porter: Aligning Strategy & Project Management . Disponível em: https://youtu.be/CKcSzH1SvCk?t=653 . Acesso em: 8 mar. 2023.
  3. https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/planning
  4. https://www.patagonia.com.au/pages/our-mission
  5. https://www.forbes.com/profile/yvon-chouinard/
  6. https://www.forbes.com/sites/willyakowicz/2020/03/16/at-billionaire-owned-patagonia-outdoor-clothing-chain-employees-to-be-paid-despite-store-closures-amid-coronavirus/
  7. https://www.fastcompany.com/1681023/how-patagonia-makes-more-money-by-trying-to-make-less
  8. https://www.businessinsider.com/patagonia-business-strategy-2014-9
  9. https://www.scielo.br/j/rae/a/3KjSHk4YGFSbyskb3HjQ47S/?format=pdf
  10. https://www.youtube.com/watch?v=xF6oY6JQ2Vo
  11. Keynote on Strategy By Michael Porter, Professor, Harvard Business School - https://www.youtube.com/watch?v=EvvnoNAUPS0
  12. How Pepsi Went From Coke's Greatest Rival To An Also-Ran In The Cola Wars - https://www.businessinsider.com/how-pepsi-lost-cola-war-against-coke-2012-5?op=1#in-1996-pepsi-had-officially-lost-the-cola-war-4
  13. Pepsico Reaches Deal to Sell Restaurant-Supply Business - https://www.nytimes.com/1997/05/26/business/pepsico-reaches-deal-to-sell-restaurant-supply-business.html
  14. Rolls-Royce strategy - https://www.rolls-royce.com/about/our-strategy.aspx
  15. https://everydayexperiments.com/
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  17. https://www.statista.com/statistics/264433/annual-sales-of-ikea-worldwide/
  18. https://www.statista.com/forecasts/758621/revenue-of-the-furniture-market-worldwide-by-country
  19. https://www.academia.edu/16509196/M_Porter_What_is_Strategy
  20. https://www.investopedia.com/articles/investing/102214/why-china-worlds-factory.asp
  21. https://www.wsj.com/articles/book-review-the-hundred-year-marathon-by-michael-pillsbury-1424996150
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  34. MASTERS, B.; THIEL, P. De zero a um . 1. ed. https://amzn.to/3FPGpuu : Objetiva, 2014. p. 216
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  39. https://www.kazmaier-translations.com/business-strategy/a-critical-assessment-of-richard-whittington-s-four-generic-approaches-on-strategy/
  40. WHITTINGTON, R. et al. Exploring Strategy : Text and Cases . 12. ed. Harlow, England: Pearson, 2020. https://amzn.to/3sV6eo1