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Ler, ver e ouvir

Review de livro - Iludidos pelo Acaso

Diego Eis

Capa do livro Iludidos pelo Acaso - Nassim Taleb

O Taleb é sempre direto ao ponto. Ele expõe a opinião dele sem esperar que você aceite. Ele diz o que pensa, de forma crua, deixando você com o direito de aceitar, ou não. Ele é amado ou odiado, muito por que ele critica o comportamento ou a opinião de outras pessoas consideradas intelectuais.

Nesse livro ele joga na nossa cara que não faz sentido olhar todos os dias como suas ações estão indo e nem faz sentido sentir inveja das pessoas bem sucedidas... tudo é obra do acaso, ou pelo menos tem uma participação do acaso.

A ideia geral do livro é que boa parte do sucesso de algumas pessoas, inclusive aquelas que não fazem trabalhos repetitivos e práticos, são joguetes do acaso. Um exemplo: é facilmente possível saber se um cozinheiro ou um artista plástico é bom nas suas profissões. Muito dificilmente eles vão conseguir enganar alguém e dependerá de muita sorte um mal cozinheiro criar um bom prato ou um artista criar um quadro fantástico. Então, essa detecção se torna possível.

Carlos se justificava mostrando que estava “indo bem em relação à indústria”. Isso é um sintoma de problemas sistêmicos: mostra que há toda uma comunidade de traders fazendo exatamente a mesma coisa. Essas declarações, de que outros traders também estão em dificuldades, são autoincriminadoras. A estrutura mental de um trader deve orientá-lo a fazer exatamente o que as outras pessoas não estão fazendo.

Contudo, isso não é facilmente identificável em profissões como a de trader, onde definir o sucesso de um trader não depende apenas do seu histórico de sucesso, mas também da possibilidade de se manter esse sucesso, inclusive quando acontece eventos imprevisíveis.

“Lembro-me do comentário de Einstein, de que o senso comum não é nada mais do que um conjunto de equívocos adquiridos aos dezoito anos. Mais que isso: o que soa inteligente em uma conversa, numa reunião e particularmente na mídia é suspeito.”

Ninguém está a salvo das manipulações do acaso. Até o começo deste ano, a Bolsa tinha as melhores previsões possíveis de crescimento, inclusive o nosso país. Saindo de uma crise e começando uma retomada que todos aguardavam ansioso a despeito das atitudes do atual presidente. Mas veio o Covid e simplesmente jogaram todas essas previsões no lixo.

“Já que não consigo deixar de ser um joguete nas mãos do acaso, o que posso fazer é confinar a aleatoriedade a um lugar que me traga alguma satisfação estética.”

Outro ponto é o alerta do autor sobre nosso viés de prestar mais atenção aos ruídos diários que aparecem em noticiários e outros meios de comunicação, em vez de se focar no essencial. Ele trata a probabilidade não como o ato de jogar dados ou uma moeda pra decidir algo, mas a trata mais como a nossa aceitação a falta de certeza.

Na minha profissão, temos uma fase que chamamos de discovery. Nessa fase tentamos descobrir o máximo sobre o problema que estamos tentando resolver. Aqui, tentamos (ou deveríamos) diminuir as incertezas. Diminuir incertezas não é a mesma coisa que aumentar certezas. É como você começasse no negativo, e tentasse deixar esse número mais próximo do positivo.

“Num pequeno incremento de tempo, observa-se a variabilidade da carteira, não os retornos. Em outras palavras, vê-se a variância e pouco mais. Sempre me obrigo a lembrar que o que se observa é, na melhor das hipóteses, uma combinação de variância e retornos, não apenas retornos”

Se você investe com ações, tem o impulso quase que diário de olhar seus investimento a fim de acompanhar o mercado. No livro, o Taleb alerta pra esse tipo de atitude, que traz muito mais “pontadas” negativas do que positivas. Seria melhor, diz ele, que nos limitasse a ter um report anual. O acompanhamento micro ou no curto espaço de tempo, faz que se sujeitemos a muito ruído. Como somos emotivos, somos influenciados negativamente com qualquer notícia que achemos que vai impactar nossos investimentos. Traders, gestores de fundos e pessoas que trabalham nesse ramo, são tão emotivos quanto qualquer um e por estarem sempre conectados, acabam influenciando suas decisões nesses ruídos. Por isso notícias tem a tendência de impactar a bolsa pra cima ou pra baixo. Esses ruídos fazem parte da tal da aleatoriedade.

O autor toca em vários outros pontos bem interessantes, como por exemplo como fazemos julgamentos errados sobre nosso próprio sucesso. Ele da o exemplo de um casal que ganha mais do que 99,5% da população, mas sentem inferiorizados e perdedores porque são os mais pobres da sua vizinhança. São esnobados pelos vizinhos e se sentem mal o tempo inteiro tentando procurar o que fizeram de errado. O ponto de vista do autor é que eles estão se comparando com pessoas que estão no extremo do espectro. Ele justifica com o viés do sobrevivente: na vizinhança e no círculo de pessoas que se relacionam, não há fracassados, apenas uma elite bem sucedida, que eles até fazem parte embora sejam os últimos desse ranking específico. Se eles morassem em uma vizinhança mais modesta e se relacionassem com pessoas menos ricas (e talvez menos esnobes), eles teriam um fator comparativo diferente, se sentindo melhor com seu status e suas conquistas.

“É simples assim: os eventos do passado sempre parecerão menos aleatórios do que eram (o que é chamado de viés retrospectivo).”

A gente tenta prever o futuro levando em consideração os comportamentos, acontecimentos e experiências do passado. Esse empirismo pode ser verdadeiro até certo ponto, para aquelas experiências mais constantes e frequentes, olhando muito um pedaço curto de tempo. Não tivemos crises suficientes pra aprender a se prevenir delas. Não tivemos pandemias suficientes para aprender como elas podem se espalhar e como podemos conter de maneira eficaz uma epidemia para que não se torne pandemia. Coisas assim precisam acontecer mais vezes durante a história pra considerarmos que aprendemos com o empirismo. Até aí, estamos sendo apenas brinquedos do acaso. Estamos apenas sendo surpreendidos. Não podemos nem testar nossas ideias de prevenção até aparecer um caso real. Quanto mais tempo ficamos sem não deparar com um evento raro, mais vulneráveis ficamos a ele.

Os livros do Taleb não são rasos e precisam de muito esforço de interpretação de texto pra conseguir um pouquinho das ideias expostas. Não deve ser lido com pressa. Mas se você gosta de estatista, estudos probabilísticas, mercado financeiro e um bom livro não ficção, recomendo bastante.

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