Esse artigo do Benedict Evans é maravilhoso. Ele aprofunda um pouco em como o problema da Netflix não é mais sobre tecnologia, mas sobre como fazer TV.

Isso é interessante, porque nos desvarios das transformações de modelos de negócio baseados em tecnologia, criamos a mania de nos referir a empresas como empresas de tecnologia, se esquecendo do segmento de mercado que a empresa atua. Basicamente, aplicamos um modelo de negócio (ainda concentrado no modelo de plataforma com potencialização de flywheels) em diversos mercados, amplificando o impacto por meio do pensamento de produto e tecnologia. Pronto, essa era, até então, a receita para se ter uma empresa inovadora e esquartejadora de empresas tradicionais.

O ponto é que tecnologia não é uma vantagem competitiva, pelo contrário, ela é commodity. Isso quer dizer que mais cedo ou mais tarde os competidores chegarão no mesmo patamar tecnológico que o líder de mercado. Isso também se aplica em processos operacionais.

A maioria dos brinquedos que eu ganhava quando eu era criança, lá pelos anos 90, era fabricada no Japão. Naquele tempo, as empresas japonesas tinham uma estratégia de copiar produtos populares e vendê-los com preço baixo e qualidade bastante aceitável. O segredo era o investimento massivo em eficiência operacional para a diminuição dos custos.

O Porter diz, em um artigo de novembro 1996, que empresas japonesas raramente tinham estratégias que diferenciavam-nas das outras empresas. Eles investiam muito em escala, produtividade para conquistar baixo custo e preço acessível. Mas logo esse gap entre as empresas japonesas e o resto do mundo começou a diminuir exatamente por processos e métodos de operação e produção se popularizaram no mercado e aí, o que era uma exclusividade, se tornou comum.

Hoje, a China está jogando em um campo parecido. Digo parecido, pois a China institucionalizou seu serviço. Eles são a fábrica do mundo. Eles não fabricam apenas os próprios produtos, mas os produtos do mundo inteiro. Eles evoluíram a estratégia do Japão. Hoje, a China tem 19 dos 20 produtores de chips no mundo inteiro. A minha visão é que a China, como um país, é um negócio.

Coming back to TV, there’s an irony here in the fact that the tech industry has spent decades wanting to get into the living room, get into TV, break up the cable bundle and move TV from scheduled linear to on-demand, and yet now that it’s happening, it’s happening in the TV industry, not the tech industry. -- Benedict Evans

O que está acontecendo agora no mundo do streaming: empresas que dominam a produção de conteúdo em vídeo para séries e filmes como HBO e Disney estão chegando no patamar tecnológico da Netflix. Obviamente eles tem muito chão para chegar na excelência da tecnologia de recomendação, mas teoricamente eles nem precisam de tanta tecnologia, por que eles sabem que as pessoas só continuarão assinantes de um serviço de streaming, se esse serviço tiver conteúdo de qualidade e novo.

A HBO faz isso muito bem desde sempre. Eu me lembro que era incrível quando um colega de classe tinha TV a cabo... Agora, era um luxo total ter assinatura de TV a cabo com HBO. Pouquíssimos amigos tinham esse combo invejável.

Ela já manja do mercado de assinatura e conteúdo, além de entender muito bem sobre como fazer blockbusters que atraem publico. Ela só atuava em um canal diferente do canal que a Netflix dominava, a internet.

Já a Netflix está tentando escalar o que não é escalável: produção de conteúdo. Minha sugestão pra essa escala seria se transformar em um marketplace, terceirizando a produção de conteúdo para estúdios e produtores, entregando uma fatia dos lucros. Eu não penso que eles conseguirão escalar, com esforços próprios, a produção de conteúdo para manter qualidade e frequência de lançamento.

You constantly need new content, said Michael Nathanson, an analyst for MoffettNathanson. Streaming services not only have to build vast libraries of old shows and movies, he said, they also need a couple big, nice theatrical movies every quarter to make it feel like it’s really valuable. -- Disney+, HBO Max and other streamers get waves of subscribers from must-see content, but keeping them is hard | Fox Business

Hoje, todos os consumidores estão buscando se acostumar a como lidar com todas as assinaturas e com todos os conteúdos que surgem em todos os serviços de streaming. O que as pessoas estão fazendo é assinar pontualmente os serviços que estão com conteúdo interessante e depois elas simplesmente cancelam a assinatura.

Nunca é só uma questão de tecnologia e nunca um modelo de negócio é baseado apenas em tecnologia. Embora tecnologia possa ser o maior viabilizador ou o maior facilitador (atualmente) para diminuir custos, aumentar escala, distribuir domínio e facilitar percepção de valor, não é só uma questão de tecnologia, mas uma questão de estratégia de negócio.

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