O Product Manager moderno opera em um paradoxo maluco: quanto mais responsivo ele é, menos tático se torna. Este não é apenas mais um argumento sobre equilíbrio trabalho-vida ou burnout - é uma análise estrutural de como a disponibilidade constante está fundamentalmente minando a capacidade dos PMs de fazer seu trabalho mais valioso.
Meu livro sobre desdobramento da estratégia do negócio para produto foi lançado, já leu?
Quando foi a última vez que você trabalhou numa empresa com uma estratégia clara e alinhada, onde todas as áreas e times conseguiam planejar quais seriam as formas de impactar objetivos para gerar resultado? Se você perguntasse "qual é a estratégia da empresa" para três pessoas na empresa, elas responderiam coisas similares?
A disponibilidade instantânea se transformou em uma virtude profissional quase inquestionável. Respondemos a mensagens em segundos, entramos em reuniões de última hora sem hesitar, e nos orgulhamos de nossa capacidade de "apagar incêndios" a qualquer momento. Esta cultura criou um ciclo vicioso que se auto-perpetua: quanto mais disponível você está, mais as pessoas esperam que você esteja disponível, e mais decisões dependem da sua presença imediata.
Pesquisas da University of California Irvine demonstram que leva em média 23 minutos para retornar completamente ao foco após uma interrupção. Para Product Managers, que enfrentam múltiplas interrupções ao longo do dia, isso representa um impacto significativo na capacidade de manter foco em trabalhos complexos (imagina como esse cenário afeta os Devs).
O problema real não é apenas a sobrecarga de trabalho - é a destruição sistemática do pensamento tático e da performance.
O estado de flow, crucial para trabalho estratégico e criativo, requer períodos ininterruptos substanciais para ser alcançado, conforme documentado por Mihaly Csikszentmihalyi em suas pesquisas. No ambiente atual de trabalho, esses períodos de concentração profunda tornaram-se cada vez mais raros.
A ironia é que quanto mais sênior o PM se torna, mais este problema se agrava. A disponibilidade constante cria uma ilusão de liderança que na verdade é apenas gestão de crises em tempo real.
Este é um problema sistêmico que requer soluções sistêmicas. Definir horários de "não-perturbe" é bom… mas pode não ser suficiente. Eu mesmo faço (tento) fazer time-blocking de agenda para executar as minhas próprias tarefas, além de desligar todas as notificações. Quem já tentou falar comigo no whats, sabe do que eu to falando.
Mas essas coisas são paliativas que não endereçam a questão fundamental: a cultura de disponibilidade constante está em conflito direto com a natureza do trabalho estratégico de produto.
A solução começa com uma mudança de modelo mental. A verdadeira responsividade de um PM não deve ser medida por seu tempo de resposta a mensagens, mas por sua capacidade de antecipar e prevenir crises através de pensamento crítico.
A priorização de períodos focados de trabalho não apenas resulta em decisões mais fundamentadas, mas também permite respostas mais efetivas quando realmente necessárias.
O custo desta disponibilidade constante vai além da produtividade individual. Para PMs, cujo trabalho é fundamentalmente sobre decisões estratégicas de produto, a falta de tempo protegido para pensamento profundo tem impacto direto na qualidade das decisões e na direção estratégica dos produtos.
Precisamos criar culturas onde o tempo para pensamento tático e crítico não é um luxo, mas uma necessidade operacional. Onde a indisponibilidade planejada é vista não como uma falha, mas como um investimento na qualidade das decisões de produto.
Referências:
- Mark, Gloria et al. "The Cost of Interrupted Work: More Speed and Stress." CHI '08: Proceedings of the SIGCHI Conference on Human Factors in Computing Systems, 2008.
- Csikszentmihalyi, Mihaly. "Flow: The Psychology of Optimal Experience." Harper Perennial Modern Classics, 2008.
- Porter, Michael E. e Nohria, Nitin. "How CEOs Manage Time." Harvard Business Review, July-August 2018.
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