Skip to main content
Gestão e liderança de Produtos

É o que não pode ser

Diego Eis

Ética é difícil. Tem a ver com integridade. Tem a ver com caráter. Tem a ver como a nossa moral direciona nossos comportamentos. É o que delimita o certo e o errado. Sim, existem coisas que são totalmente cinzas, onde até mesmo a justiça pisa em falso. Mas há uma coisa que a ética traz para todos: responsabilidade.

O mundo digital tem mudado drasticamente a forma com que nos comportamos no mundo real, não apenas no mundo online. Obviamente, isso acontece porque somos a mesma pessoa nos dois mundos. O mundo digital pode ter uma pitada de mágica que faz com que o lado ruim e bom do ser humano seja potencializado.

No artigo Facebook and our phones may be wreaking havoc on our morality da Vox, o Sigal Samuel fala um pouco sobre como as redes sociais tem borrado cada vez os limites individuais de cada pessoa de identificar o que realmente é essencial quando falamos sobre comportamento online e ética.

In other words, rather than helping us get our own selves out of the way so we can truly attend to others, these platforms encourage us to create thicker selves and to shore them up — defensively, competitively — against other selves we perceive as better off.

Além de influenciar as pessoas no nível individual, as big techs também influenciam demais negócios que se apoiam na tecnologia para sobreviver. Nesse tweet do Patrick Coddou, fica bem claro o quanto produtos digitais se tornaram peças tão fundamentais, que fica claro uma transferência clara de responsabilidade social para essas empresas.

Mas, a cada dia que passa, o ciclo vicioso fica mais difícil de quebrar, por que isso move dinheiro. Veja bem como funciona o processo: O Google ganha dinheiro toda vez que alguém visita um site que tem seus ads ali. Muitas pessoas utilizam o Facebook para se informar (se isso for possível), isso quer dizer que as pessoas clicam nos links dos artigos que os veículos postam. Ao clicar nesses links eles eram redirecionados para o browser abrir esses artigos. Quem ganha aqui? O Google. Facebook estava gerando trafego para sites que tem ads do Google.

Bom, o Facebook que não é bobo nem nada, criou lá em 2015 uma coisa chamada Instant Article. A coisa funciona assim: ao clicar em um link de artigo no Facebook, o artigo era aberto diretamente ali. O Facebook vendeu isso pra todo mundo dizendo que era uma forma de melhorar a experiência de leitura, além de diminuir o tempo de carregamento e user experience. Aham. O que aconteceu é que agora o Facebook se tornou dono desse espaço e consegue oferecer para ganhar mais dinheiro de ads.

Instant Articles quickly fell out of favor with its original cohort of big mainstream publishers. For them, the payouts weren’t high enough compared with other available forms of monetization. But that was not true for publishers in the Global South, which Facebook began accepting into the program in 2016. In 2018, the company reported paying out $1.5 billion to publishers and app developers (who can also participate in Audience Network). By 2019, that figure had reached multiple billions.

Essa é uma investigação feita pelo MIT Technology Review, e é descrita em detalhes aqui nesse artigo: How Facebook and Google fund global misinformation.

Existe uma indústria que o Facebook, principalmente, controla, de replicação de conteúdo para angariar o máximo de clicks. O que acontece: pessoas pegam conteúdos, mesmo que sejam verdadeiros, e replicam numa série de páginas do facebook para que esses conteúdos viralizem cada vez mais, potencializando os donos dessas páginas. Isso rola não apenas com texto, mas principalmente com live streamings. Isso aí: essas pessoas replicam vídeos como se fossem ao vivo, para que pessoas sejam impactadas como se estivessem consumindo conteúdo novo.

There were hundreds of them, racking up tens of thousands of engagements and hundreds of thousands of views. As of early November, MIT Technology Review found dozens of duplicate fake Live videos from this time frame still up.

Sempre que você compartilha algo nas suas redes sociais, o algoritmo das redes definem quando e quem vai ver aquele compartilhamento. Eles vão julgar sobre como usá-la da melhor maneira. Ele pode calcular as chances de quem irá agradar e mostrar primeiro para essas pessoas. Ele sabe quem você pode ou não influenciar, e vai replicar para uma camada cada vez mais maior (ou menor) de pessoas.

Uma andorinha só, não faz verão

Quando falamos sobre privacidade online para alguém, é comum ouvir que Olha, eles podem saber tudo sobre mim, tudo bem. Não me afeta.

Essa é uma afirmação bastante medonha, por que embora você ache que seja imune aos algoritmos das redes sociais e de outros serviços, os seus dados contribuem para um sistema muito maior que influencia não só o que o desejo de consumo das pessoas, mas também seus comportamentos on-off-line e manipulam/potencializa sua opinião política. Daí que vem essa polarização política imbecil que vivemos hoje.

Muito por isso é importante que, mesmo que você não ligue para sua privacidade, você saiba exatamente como seus dados pessoais estão sendo utilizados e saiba minimamente a controlar sua privacidade online.

Faz um tempo que eu uso DuckDuckGo. Além de ser muito bom e ter vários perks interessantes, ele diz que não interfere na minha privacidade e sim, ele ganha dinheiro com ads, mas como as buscas são contextuais, mostra ads sobre o assunto que eu estou buscando, sem usar em consideração cookies, histórico de busca, histórico de navegação e tudo o que o Google usa para ter seu perfil mapeado. Ou você acha que o Gmail os outros produtos são de graça até hoje por que o Google é legalzão?

Mas sim, ainda não consegui sair de todos os serviços do Google. É quase um luxo você não usar qualquer serviço do Google hoje em dia. É um trabalho bizarro de difícil usar serviços alternativos.

Todos os serviços do Google são os famosos moats. Todos eles servem como defesas competitivas para o grande negócio dele, que é a venda de ads.

Conclusão

Privacidade online é um assunto importante e pessoal. Eu ainda acho que se acostumar com o digital é a única saída, mas não podemos nos adaptar às regras obscuras de todo e qualquer serviço que existe. Se não prestarmos atenção aos nossos costumes e comportamentos online, estamos apenas sendo coniventes com essa falta de ética estruturada que existe no mundo digital.

Referências: