Em todas as profissões existe um ciclo natural de mudança de atuação. Isso é normal e impulsionado com novas tecnologias (vide AI), mudanças externas como economia (vide layoffs e pandemia), mudanças internas (vide rodadas de investimento, aumento ou diminuição de pessoas) etc. Isso é completamente normal e sempre haverá.

O ponto é que as pessoas costumam ver as mudanças em disciplinas de profissão de forma isolada, sem levar em consideração toda a cadeia. As profissões estão conectadas em um fluxo muito mais relacionado que movimentam cadeias enormes de entrega de produtos e serviços no mundo todo.

Há também a mudança de processos, que afeta bastante a sinergia que acontece entre todos os profissionais da cadeia e então alguns trabalhos que são feitos no fluxo não precisam ser mais feitos ou precisam ser responsabilidade de outras pessoas (ou coisas).

Meu novo livro: gestão tática de produtos digitais

Com o prefácio escrito pelo Joaquim Torres, uma das maiores referências sobre gestão e liderança de produtos do país, e o posfácio escrito pelo empreendedor serial David Pires, que construiu empresas de tecnologia que faturam alguns bilhões por ano, Diego Eis mergulha profundamente nos problemas e desafios enfrentados por Product Managers e líderes de produtos no mercado de tecnologia ao tentarem decifrar qual é a estratégia escolhida pela empresa e como seria possível conectar com o trabalho tático de gestão de produto.

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Isso acontece muito mais claramente quando falamos sobre tecnologia e seu fluxo de produção.

Só fazemos a parte de arquitetura e server-side depois que termos um entendimento mínimo da possível solução.

Solução essa que só pode começar a ser desenhada, apenas depois que compreendemos o problema que queremos resolver. Designers não começam antes dos PMs. Devs não começam plenamente seu trabalho antes de designers.

Pode chamar do jeito que for, ok? Agile, Waterfall, sei lá. Não estou focando aqui nesse processo, que geralmente se dá já dentro de um sub-fluxo dentro do processo macro. Não é esse o propósito. Mas durma com essa: Agile é uma forma de gerenciar comunicação de projetos. E nunca um projeto será 100% não linear (como todo mundo prega que projetos Agile deveriam ser, porque não é esse o propósito de processos agile).

Voltando... para resumir uma introdução longa: disciplinas mais essenciais num modelo de gestão e construção de produtos digitais mudam o tempo todo, e as pessoas não estão acostumadas com isso.

Antes de entrar na toada de Product Managers e Designers, eu gostaria de começar dando exemplos muito claros e mais latentes do mundo dos desenvolvedores, que eu acho que é mais óbvio muito mais palpável nesse momento de transição. E por que, pelo que me parece (principalmente dos comentários dos haters nas redes), eles ainda estão sofrendo com a síndrome de Dunning-Krugger ou simplesmente passando por uma fase de negação. Não decidi no que acreditar ainda.

Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) tem se consolidado como uma ferramenta poderosa para a automação de tarefas no setor de tecnologia. Dois casos emblemáticos ilustram como empresas estão utilizando IA para substituir desenvolvedores e reestruturar processos operacionais: Nubank e Gumroad.

Caso 1: Nubank e a Implementação do Devin AI

A Nubank enfrentou o desafio de migrar seu sistema monolítico de ETL de 8 anos, composto por mais de 6 milhões de linhas de código, fazendo uma refatoração para melhorar a escalabilidade e a eficiência operacional da empresa.

Inicialmente, a previsão era de que mais de 1.000 engenheiros seriam necessários para realizar manualmente essa migração ao longo de 18 meses. No entanto, com a adoção do Devin AI, um engenheiro de software autônomo baseado em IA desenvolvido pela Cognition Labs, o Nubank conseguiu acelerar significativamente esse processo. O Devin AI foi treinado com exemplos de migrações anteriores realizadas pelos engenheiros do Nubank, permitindo que a IA aprendesse a lidar com as variações e casos específicos presentes no código.

Os resultados foram impressionantes:

  • Ganho de Eficiência: A produtividade aumentou em 12 vezes, reduzindo o tempo de migração de aproximadamente 40 minutos por tarefa para apenas 10 minutos.
  • Economia de Custos: A empresa economizou 20 vezes o valor que seria gasto com a contratação de engenheiros adicionais para realizar a tarefa manualmente.
  • Tempo de Execução: Migrações que levariam meses ou até anos foram concluídas em semanas, permitindo que o Nubank direcionasse mais energia para novos negócios e criação de valor.

Além disso, o Devin AI contribuiu para suas próprias melhorias de velocidade, criando ferramentas e scripts clássicos que utilizou posteriormente nos componentes mais mecânicos da migração.

Caso 2: Gumroad e a substituição de desenvolvedores front-End por IA

O fundador da Gumroad, Sahil Lavingia, anunciou publicamente que sua empresa deixará de contratar desenvolvedores front-end, optando por depender exclusivamente de ferramentas de IA para executar esse trabalho. Segundo Lavingia, as capacidades atuais de IA são suficientes para lidar com demandas de codificação front-end sem necessidade de intervenção humana.

Além de anunciar que não contrataria mais desenvolvedores front-end, Sahil Lavingia, fundador da Gumroad, também compartilhou recentemente sua decisão de contratar apenas engenheiros generalistas e designers em vez de especialistas em áreas específicas .

Em um post no X (antigo Twitter), Lavingia afirmou:

“Eu só contrato engenheiros generalistas e designers agora. Sem PMs. Sem gerentes de engenharia. Sem analistas de dados. Sem DevOps. Sem QA.”Sahil Lavingia no X

Essa abordagem reflete sua visão de equipes mais enxutas e ágeis, aproveitando ferramentas de IA para preencher lacunas antes ocupadas por profissionais especializados.

Principais Motivações:

  1. Simplificação Organizacional: Com menos camadas de gerenciamento, há maior velocidade na tomada de decisão e execução.
  2. Aproveitamento de IA: Ferramentas automatizadas substituem muitas das tarefas anteriormente realizadas por especialistas, como controle de qualidade (QA) e monitoramento de operações (DevOps).
  3. Corte de Custos: Equipes menores significam menos despesas operacionais, mantendo alta eficiência.

Impacto e Implicações:

  • Engenheiros Generalistas: Passam a atuar como solucionadores de problemas multifuncionais, com habilidades amplas e adaptáveis.
  • Designers: Focam na experiência do usuário e no design de interfaces, enquanto a execução técnica é, em grande parte, automatizada.
  • Redefinição de Papéis: Profissionais precisarão desenvolver competências híbridas, misturando conhecimento técnico, design e estratégia.

Esse movimento reforça a tese de que trabalhos operacionais — incluindo os de Product Managers (PMs) — estão sendo rapidamente automatizados ou absorvidos por ferramentas de IA, o que aos poucos força uma mudança estrutural, reduzindo dependências entre funções tradicionais que antes eram altamente encadeadas.

O futuro está na diferenciação, não na execução

A ascensão da IA marca um divisor de águas para designers, gestores e programadores. Não estamos diante do fim dessas profissões, mas de uma redefinição inevitável de como elas operam, criam valor e se diferenciam.

Os casos do Nubank, que acelerou um processo de refatoração de código com IA, e da Gumroad, que reorganizou seu modelo de trabalho eliminando funções especializadas, não são exceções. Eles são sinais claros de que o valor das disciplinas tradicionais não está mais na execução, mas na visão estratégica e na capacidade de integrar tecnologia ao processo criativo e operacional.

Programadores saem de apenas codificadores para reais arquitetos de plataformas que geral valor percebido.

Programadores deixarão de ser meros escritores de código para se tornarem arquitetos de soluções. Em vez de focar em tarefas técnicas, eles devem entender o problema não apenas para resolverem do ponto de vista técnico, mas do ponto de vista de como continuar encontrando soluções técnicas que não bloqueiam a entrega de valor percebido constante para a empresa e para clientes.

Não sei como será o futuro, mas talvez o foco passará a ser:

  • Orquestrar automação, em vez de codificar linha por linha.
  • Resolver problemas sistêmicos, criando soluções escaláveis e sustentáveis.
  • Aprimorar a colaboração com IA, para testar melhor, prever problemas, mitigar dependências e aumentar a escala.

Já os Designers devem parar de focar apenas na forma para pensarem na Experiência Total, geral, de como o problema surge, é resolvido e prevenido no futuro.

Para designers, o papel não será mais apenas criar interfaces esteticamente agradáveis ou até mesmo tentar fazer análises profundas de como solucionar um problema. Diversas fases de um discovery podem ser resolvidas usando IA. Contudo, projetar experiências completas e adaptáveis não é algo assim tão trivial, principalmente quando pensamos em continuidade e evolução das soluções.

Ferramentas baseadas em IA já automatizam prototipagem e iterações de design, mas não conseguem capturar as nuances emocionais e contextuais que tornam uma experiência incrível.

Os novos diferenciais estarão em:

  • Pensamento estratégico aplicado ao design, priorizando impacto e narrativa.
  • Domínio de IA como assistente criativo, acelerando processos sem comprometer a originalidade.
  • Design centrado em comportamento humano, criando soluções que evoluam com o contexto de uso.

Para mim, designers tem dois caminhos:

  1. Se tornarem mais focados em desenvolvimento front-end;
  2. Se tornarem mais focados em gestão de produto, entendendo como problemas surgem e podem ser resolvidos. Sim. Eles devem adotar uma parte importante dos atuais Product Managers.

Agora, os gestores ou até Product Managers devem parar de tentar controlar entregas, para ajudarem a empresa a decidir melhor, aumentando a eficácia por meio de um plano tático que conecta estratégia do produto e do negócio, à realidade do contexto da empresa e dos clientes.

Agora, para que lidera e faz gestão — especialmente Product Managers — precisarão ir além do gerenciamento de tarefas e status reports. Ferramentas de IA já fazem análises preditivas e geram roadmaps automatizados. O valor dos gestores estará em conectar as peças certas para resolver problemas certos.

Uma realidade interessante seria que esses profissionais se tornem:

  • Facilitadores de decisões complexas, guiando times em meio à incerteza com insights humanos complementados por IA.
  • Narradores táticos, capazes de traduzir dados em argumentos e planos de ação claros, factíveis, que sejam realizáveis e abreviem resultado para a empresa por meio da percepção continuada de valor para os clientes.
  • Orquestradores de inovação, integrando tecnologia, produto e experiência do cliente em uma visão coesa, sustentável e evolutiva.

Estamos em transformação — é uma fase de redefinição profunda

O que une designers, gestores e programadores é que todos estão sendo chamados a deixar de lado a execução puramente técnica e a abraçar a criação de valor estratégico.

A IA não elimina essas (e outras) profissões — ela elimina o que nelas é mecânico e previsível.

O espaço deixado é preenchido por profissionais capazes de pensar além do óbvio, combinar tecnologias existentes de novas maneiras e criar diferenciação genuína.

Designers serão responsáveis por moldar interações humanas mais profundas.
Gestores precisarão liderar pela visão, não pelo controle.
Programadores se tornarão arquitetos de soluções que expandem os limites do que a tecnologia pode alcançar.

O mundo não está ficando mais simples. Ele está ficando mais automatizado, mas também mais complexo, conectado e rápido.

E essas três profissões estarão no centro dessa transformação — não como executores de tarefas, mas como criadores do próximo ciclo de inovação. O mercado não está esperando ninguém.

A questão não é se a IA vai ocupar seu lugar. A questão é: você está pronto para ocupar o novo lugar que a IA ainda não consegue alcançar?

Vai ser incrível.

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